
Direito à saúde: a corrida contra o tempo para salvar o pequeno Asafe
Texto: Ana Paula Gomes
Ilustração: Diogo Braga
“Clara a urgência do pleito, tanto é verdade que o Defensor Público que atuou no processo, em grande gesto humanitário, já propôs ação ao final de seu plantão, às 17:37h, em gesto de desespero, em favor de um ‘pequeno cearense’, de apenas 03 dias de nascido. A SITUAÇÃO É DESESPERADORA, e agora, mais uma vez, não é uma Defensora Pública falando, e sim, UMA MÃE DESESPERADA que buscou a Defensoria Pública, para que seja concedida a liminar”.
Trecho do pedido de reconsideração realizado pela defensora Ana Mônica Amorim sobre o pedido de leito de UTI de um bebê recém-nascido.
O fato começa em uma maternidade pública de Fortaleza. Mesmo ainda internada, após o parto, Ana Paula Ferreira Carvalho não teve tempo de viver o resguardo e nem a alegria de segurar o bebê nos braços. Teve que, quase que imediato, no dia 16 de novembro de 2024, procurar a Defensoria Pública do Estado do Ceará, por meio do atendimento remoto do Plantão Defensoria, para dar entrada no pedido de leito de UTI para o pequeno Asafe, seu primeiro filho.
Na data, a criança completava o terceiro dia de nascimento. A declaração de nascido vivo enviada, acompanhava o laudo médico de Hipoplasia de Ventrículo Esquerdo (Cid Q23.4) e deixavam o rastro da gravidade do problema. Para dar a chance de Asafe sobreviver era necessário uma transferência para um hospital terciário especializado em cirurgias cardíacas e dotado de leito de UTI cirúrgica para antes da cirurgia e para o pós-operatório.
De imediato, o defensor público Anderson Seabra protocolou o pedido no sábado, mas o juiz responsável não realizou a análise no mesmo dia. No domingo, negada a liminar, a defensora pública Ana Mônica Amorim apresentou pedido de reconsideração, e ao final do plantão, apresentou recurso de agravo de instrumento para o Tribunal de Justiça.
“Temos um compromisso com a luta pela efetivação do direito fundamental à saúde. O filho recém-nascido da Ana Paula, nascido dia 13 de novembro, já demonstrou ser um guerreiro. Entendemos que somos pontes na luta incansável pela efetivação de direitos, notadamente o direito à saúde, que reforça a importância da Defensoria Pública como guardiã de direitos e instituição essencial dentro do Sistema de Justiça”, destaca a Ana Mônica Amorim.
Ana Paula não teve conhecimento da doença durante a gestação. Ela conta que receber a notícia logo após o nascimento do filho foi desesperador. “Me vi em uma situação de muita aflição. Não tinha ideia do que era essa doença. Os médicos me explicaram como seria o tratamento e o que ele precisava, mas me senti completamente perdida, sem saber a quem recorrer. Foi então que me indicaram a Defensoria Pública. Confesso que, no início, não acreditava que poderiam realmente me ajudar, que poderia dar certo. Mas, desde o primeiro atendimento, fui acolhida com atenção, ouvida e orientada. Sou profundamente grata por todo o apoio e atendimento que recebi”, compartilha a mãe.
Asafe teve seu direito à vida preservado e se encontra internado no Hospital do Coração de Messejana, uma referência no tratamento de doenças como a dele, e realizou nesta terça-feira (10) a cirurgia determinante para sua saúde.
Ana Paula compartilha que cada cômodo de sua casa já está preparado para receber o filho. “Quando a gente recebe a notícia que está grávida já sai comprando roupinhas, organizando tudo e fazendo planos. Eu fiz isso e agora, quando tudo isso passar, mal posso esperar para vê-lo usando as roupinhas que comprei, brincando com os brinquedos que estão esperando por ele e dormindo no ninho que preparei ao meu lado – porque não comprei berço, quero ele bem pertinho de mim. Quero vê-lo crescer, correr, brincar. Não vejo a hora”, desabafa.
As atividades dos plantões aos finais de semana e feriados para o encaminhamento de demandas de urgências acontecem desde 2017. A conquista do serviço veio por meio de Ivan, um assistido que travou uma luta após o filho, Matheus, que tem paralisia cerebral e microcefalia, precisar de um leito de UTI durante o final de semana, em 2011. Depois dele, milhares de pessoas conseguem acessar a Defensoria ininterruptamente para demandas desta natureza.
Para Elenildo Batista de Lira, que estava distante da família há mais de cinco meses, a reaproximação aconteceu em um momento delicado, quando percebeu que sua saúde não estava bem. A descoberta do diagnóstico de pneumonia exigiu que ele ficasse internado em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA). O quadro se agravou, o paciente de 52 anos teve uma parada cardíaca e precisou ser intubado. A transferência para um leito de UTI era para assegurar sua vida.
A irmã, Elenelda Batista de Lira, chegou ao Núcleo de Defesa de Saúde (Nudesa) da Defensoria Pública, localizado em Fortaleza, em busca de atendimento para conseguir judicialmente a transferência de seu irmão. “Meu irmão estava afastado da gente, estávamos sem notícias dele. Quando nos procurou já vinha sentindo um cansaço forte, não estava passando bem. Fui com ele até a UPA e lá foi confirmado o diagnóstico, mas acabou piorando. O leito de UTI era a esperança dele viver”, compartilhou.
A defensora pública Karinne Matos, titular do Nudesa, foi a responsável por protocolar o pedido. Ela ressalta que lidar com essa questão exige não apenas o exercício prático do Direito, mas também a responsabilidade que envolve a preservação de vidas. “Quando um familiar busca a transferência para um leito de UTI ou especializado, geralmente chega em estado de extrema apreensão. Isso ocorre, sobretudo, em situações de risco ou doenças que demandam tratamento imediato, sem margem para espera. Nesse contexto, a atuação da Defensoria Pública torna-se fundamental, não apenas para garantir o direito à saúde, mas também para preservar a própria vida de quem nos procura”, reforça Karinne Matos.
Elenelda comemora o resultado. “Fui muito bem atendida na Defensoria Pública. Só tenho mesmo é que agradecer. Tudo aconteceu muito rápido, como era preciso para a condição do meu irmão. Agora a torcida é para que ele se recupere completamente e volte para casa e fique perto da gente”, ressalta a irmã.
O direito à saúde está previsto na Constituição Brasileira de 1988 e se caracteriza como um direito universal e de responsabilidade do estado, no entanto, a judicialização das ausências experimentadas pela população representa uma tentativa de garantir o direito à vida e à saúde. Nessa perspectiva, de janeiro a novembro deste ano, o Nudesa registrou 1.204 procedimentos relacionados à temática de UTI e transferência para leitos especializados. Nas demais unidades da Defensoria Pública, tanto na capital quanto no interior do estado, foram contabilizados 4.461 encaminhamentos no mesmo período.
Demandas gerais de saúde também são atendidas pela Defensoria Pública do Estado. Em Fortaleza, os pedidos podem ser encaminhados pelo Núcleo de Defesa da Saúde (Nudesa), e no Pipa, para os casos relacionados à neurodivergências. Para as demais localidades, as solicitações podem ser dirigidas às sedes da instituição nas comarcas.
SERVIÇO
Núcleo de Defesa da Saúde (Fortaleza)
Endereço: rua Júlio Lima, nº 770, no bairro Cidade dos Funcionários, Fortaleza
Telefone(s): Ligue 129 / (85) 3194-5024
Projeto Pipa
Rua Professor Carlos Lobo, 15 – Cidade dos Funcionários (sede do Iprede)
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