
Dramas da ficção, direitos da vida real: novelas ampliam o debate sobre direitos e Defensoria
TEXTO: BIANCA FELIPPSEN E DEBORAH DUARTE
FOTO: DIVULGAÇÃO
A teledramaturgia brasileira sempre se aproxima das questões que fazem parte do cotidiano jurídico da população. Temas como pensão alimentícia, adoção, guarda de filhos, direito dos idosos, violência doméstica, identidade de gênero e direito homoafetivo ampliam pela tela da TV o que se tem na sociedade, ajudando a popularizar discussões, ampliar legislações, suscitar debates e a busca por direitos.
Foi assim que, na última semana, uma cena da novela “Vale Tudo”, da TV Globo, a personagem Lucimar, interpretada por Ingrid Gaigher, decide buscar judicialmente o direito à pensão para o filho. E busca ajuda da Defensoria Pública. A representação espelha uma realidade presente diariamente nos corredores da Defensoria Pública do Estado do Ceará, todos os dias mulheres que buscam em ação de alimentos (seja judicial ou extrajudicial), tornando o assunto uma das demandas mais recorrentes.
Em 2024, a Defensoria do Ceará registrou 12.607 procedimentos relacionados à pensão alimentícia. Somente entre janeiro e abril de 2025, já foram 3.784 novos atendimentos. Para acessar esse direito, pessoas em situação de vulnerabilidade — econômica ou social — devem procurar presencialmente os núcleos de petição inicial da Defensoria, munidas da documentação exigida para o caso. Também pode-se buscar ferramentas como a mediação e conciliação, tanto nos Núcleos de Solução Extrajudicial, em Fortaleza e Sobral, no projeto Laços de Família,em Sobral, e nos núcleos das faculdades de Direito que têm convênio com a Defensoria (IES).
A defensora pública Michele Camelo, supervisora das Defensorias de Família de Fortaleza, explica que o trabalho da Defensoria vai além da atuação judicial. “Estamos aqui para garantir que os direitos das famílias vulneráveis sejam efetivados. Cada atendimento é uma oportunidade de transformar realidades e promover o acesso à justiça de forma acolhedora e comprometida com a dignidade das pessoas.”
Localizadas no Fórum Clóvis Beviláqua, as Defensorias de Família lidam diariamente com questões que impactam diretamente a vida das pessoas, como investigação de paternidade, dissolução de união estável, regulamentação de visitas e interdições judiciais. “Quando há necessidade de judicialização, essas demandas são acolhidas nos núcleos de petição inicial e, após a distribuição pelo Tribunal de Justiça, passam a tramitar nas varas de família. Em Fortaleza, contamos com 18 varas, cada uma com um defensor ou defensora responsável por acompanhar o processo do início ao fim, inclusive em instâncias superiores, se necessário”, explica Michele Camelo.
O caso, retratado na novela, reflete a realidade enfrentada por milhares de mulheres brasileiras, especialmente mães solo, as principais responsáveis pela criação dos filhos. “O que a novela evidencia é a vida de milhares de mulheres, mães solos, que carregam multitarefas e a responsabilidade pela criação dos filhos. A Defensoria trabalha para corrigir esse desequilíbrio, garantindo o acesso à justiça com perspectiva de gênero, reconhecendo as desigualdades estruturais que atravessam a vida dessas mulheres e atuando para assegurar seus direitos e das crianças”, afirma.
A autora do remake global, Manuela Dias, disse em entrevista ao GShow, portal da rede Globo, que a maternidade é um assunto caro para ela: “Vejo nosso país como uma MÁTRIA e não como uma pátria. É um país cujo povo é criado majoritariamente por mães solo. Mulheres fortes, guerreiras doces e carinhosas”, define a roteirista, que acrescenta uma pontuação: “Mas não dá para ser mãe, ser sinônimo de heroísmo solitário e diário. Isso é absurdo e injusto”.
Novelas e vida real – Os debates nas novelas não são à toa. Eles pautam o cotidiano de legislações também. Em “Mulheres Apaixonadas”, novela de 2003, a personagem Raquel (Helena Ranaldi) foi vítima de violência doméstica pelo marido Marcos (Dan Stulbach), e decide denunciá-lo. As cenas fomentaram o debate sobre o tema e impulsionaram a criação da Lei Maria da Penha, que entrou em vigor três anos depois, em 2006. Quando a novela de Manoel Carlos foi exibida pela primeira vez, as penalidades para os casos de violência doméstica era uma condenação máxima de um ano de prisão e as penas de agressores ainda podiam ser reduzidas a doações de cestas básicas.
A mesma novela ainda pautou a criação do Estatuto do Idoso. O casal Leopoldo e Flora, vivido por Oswaldo Louzada e Carmem Silva, sofriam agressões da neta Dóris (Regiane Alves) e tiveram impacto direto na vida real. Aprovado em setembro de 2003, quase um mês antes da novela chegar ao fim, a lei definiu medidas de proteção às pessoas com idade igual ou superior aos 65 anos. Em 2022, a legislação foi rebatizada com o nome de Estatuto da Pessoa Idosa.