Estudo inédito da Rede Acolhe aponta avanços para melhorar o acesso à justiça a parentes vítimas de homicídios
Um estudo inédito elaborado pela Rede Acolhe, projeto da Defensoria Pública Geral do Estado (DPCE) que lida com vítimas de violência, revela um cenário preocupante sobre as investigações de assassinatos em Fortaleza. O estudo intitulado “Em busca de Justiça” é um recorte dos casos atendidos pelo programa da Defensoria e analisa 180 casos. Destes, 46% apresentaram a ausência de suspeitos para os homicídios ocorridos.
O estudo foi elaborado pela equipe do Acolhe, pela defensora pública Lara Teles e auxílio da Assembleia Legislativa aponta recomendações às instituições públicas, dentre ela a Secretaria Estadual da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) que indicam melhorias para aprimorar o cenário investigativo da capital cearense.
A defensora pública Lara Teles falhas em dois principais fatores: ao volume de casos e à necessidade de investimentos em provas técnicas mais confiáveis, como perícias balísticas, exames laboratoriais etc. “Tem investigação muito centrada em prova testemunhal. Tem caso que não há retorno da Perícia porque não tem perito suficiente. Tem caso em que os autos citam câmeras e as imagens não são anexadas. Tem processo que só a família da vítima foi ouvida. Tem caso que a Polícia não cumpre as diligências do Ministério Público. São diversas situações. É muito crime, realmente. E, historicamente, preferiu-se investir em policiamento ostensivo. Mas temos que fortalecer a Pefoce e as delegacias especializadas”, acrescenta a defensora.
JOVEM NEGRO E PAI: PERFIL RECORRENTE
Só em 2019, ano do qual os processos constantes no estudo foram retirados de maneira aleatória, o Ceará registrou 2.257 vítimas de homicídio doloso (quando há intenção de matar). Segundo o relatório da Rede Acolhe, os 180 casos de Fortaleza analisados tiveram 191 pessoas mortas e o perfil preponderante é: jovem (56%), do gênero masculino (82%), negro (80%) e morador de periferia (98%).
A baixa escolaridade também é um dado relevante: 82% das 191 vítimas das ocorrências analisadas eram analfabetas ou tinham estudado somente até o Ensino Médio, com muitas tendo abandonado os estudos ainda no Ensino Fundamental (47%). “A violência letal é um dos indicadores mais perversos da segregação social no Brasil”, pontua o documento, que classifica a educação como “um fator protetivo”, pois “o jovem se torna mais suscetível quando afasta-se da escola.”
Outro agravante é o fato de 36% das vítimas terem deixado filhos. Um problema que pode até ser maior, visto que 56% dos processos não continham informações sobre o assunto, o que reforça um dos principais argumentos do estudo: “os dados não representam apenas números. Tratam-se de vidas abreviadas de forma violenta e que deixaram como sobreviventes seus familiares e amigos. Embora tenha havido redução em 2019, os registros de mortes violentas ainda são muito elevados no Estado.”
Uma das conclusões da pesquisa é a de que “a resposta das instituições estatais é lenta diante da vontade das famílias por justiça, gerando, em muitos casos, um sentimento de revolta e de insegurança”. O relatório destaca ainda que “a angústia dos familiares das vítimas toma uma proporção maior quando a investigação não avança e nenhuma resposta se concretiza na responsabilização do autor do crime, intensificando, em muitos casos, o medo, o silêncio e a indignação.”
A REDE ACOLHE
Criada em julho de 2017, a Rede Acolhe existe para dar assistência a familiares de vítimas e vítimas sobreviventes de atos de violência. Surgiu para lidar com um universo delicado da insegurança, visto que, naquele ano, o Ceará havia registrado 5.133 Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs). No período seguinte, 4.518 casos. Em 2019, 2.257. Em 2020, 4.039 ocorrências. Neste ano, de janeiro a maio, o estado acumula 1.324 registros de homicídio doloso, feminicídio, latrocínio (roubo seguido de morte) e lesão corporal seguida de morte.
Os dados constam em boletins da SSPDS. Titular do projeto, a defensora pública Gina Moura classifica a iniciativa como “algo que preenche uma lacuna de assistência jurídica que todas as defensorias do Brasil precisam enfrentar”. Ela afirma que o público atendido pela Rede Acolhe, majoritariamente composto por mulheres, em geral não é ouvido nem tem acesso à Justiça garantido. Daí a importância dos trabalhos da DPCE.
“Estamos diante de números de violência letal alarmantes. Números que envolvem, inclusive, a ação do Estado, através da violência policial e do sistema prisional. Nós precisamos atender a esse público, porque é um público de necessidade muito específica e é muito invisibilisado. É um público que não é ouvido como deve ser. Não é tratado como deve ser. No sistema jurídico tradicional, as vítimas de violência não são pessoas que choram, sofrem e têm a vida tumultuada por um contexto de impacto emocional e econômico. Elas são tratadas como uma abstração. São apagadas e não têm a quem recorrer. A Defensoria é capaz de oferecer essa escuta qualificada. Por isso que o Acolhe é tão singular”, pontua Gina Moura.
SAIBA MAIS
A Rede Acolhe atua em três frentes: como acesso a programas de proteção a testemunhas e a pessoas ameaçadas de morte; ofertando às famílias a atuação de uma equipe multidisciplinar, composta por psicólogo, assistente social e sociólogo; e oferecendo apoio jurídico aos casos que precisam ser judicializados, seja em esfera cível ou criminal.
O projeto recebe famílias para acompanhamento a partir de três fontes: interna, pelo encaminhamento de outros setores da Defensoria; por demanda espontânea da população; e pela busca ativa feita pelos profissionais em processos de CVLIs ocorridos em Fortaleza.


