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Homenageadas no projeto “Todas Somos Uma” relembram trajetórias e reverenciam movimentos sociais

Homenageadas no projeto “Todas Somos Uma” relembram trajetórias e reverenciam movimentos sociais

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As mulheres homenageadas pela Defensoria Pública do Ceará (DPCE) no projeto “Todas Somos Uma” relembraram nesta quarta-feira (1º/2) as trajetórias que trilham pela garantia de direitos humanos. Os depoimentos marcaram a cerimônia de lançamento da campanha.

Primeira travesti do Brasil a conquistar um título de doutorado, Luma Andrade recordou os desafios de ser um corpo trans em ambientes educacionais e como identidades dissidentes são violentadas até mesmo dentro da própria família. “Nós, travestis e transexuais, somos indesejados e indesejadas. Ninguém, normalmente, é rejeitado por alguma singularidade, mas o fato de ser travesti e LGBTQIA+ traz esse peso. Muitas travestis morreram e resistiram para hoje eu estar aqui. O tempo passou, tivemos muitas conquistas, mas ainda hoje é muito difícil aceitarem uma pessoa travesti. Nossos corpos precisam sobreviver.”

Primeira mulher eleita prefeita de uma capital brasileira, Maria Luíza Fontenele enalteceu o papel da mulher na construção de um mundo diferente, sem machismo, sem fascismo e sem destruição da natureza. “Nós somos vidas. Nós somos flores. Nós somos semente. Nós somos humanidade. E nós somos as que cuidam da humanidade. Este mundo está em nossas mãos. Não há possibilidade da existência desse mundo sem a nossa direção. Portanto, companheiras, mulheres, a cada uma que desbravou um pedaço de experiência do mundo: unidas, somos a força que vai impulsionar uma nova realidade. Nós, mulheres, temos que nos conscientizar de que não é o dinheiro e a mercadoria que dirigem nossos destinos, mas a transformação de uma realidade que nos oprime.”

Ex-presidenta do Movimento Feminino pela Anistia, Nildes Alencar destacou que, apesar de poucas, as mulheres eram fortes e destemidas na luta contra a ditadura militar. “Eu nunca pensei que tinha tanta força! Somos fortes. E ai do mundo se não fôssemos! Eu estava revendo a Constituição. E me vi dentro dela. Fizemos esta história aqui. A Constituição só surgiu porque houve a anistia, houve liberdade, porque houve força de vozes livres e aguerridas. Discutimos muito os direitos humanos. Vamos à frente, porque o caminho é longo, a estrada é muito comprida e as nossas pisadas estão muito instáveis ainda. Precisamos ter mais força de luta.”

Uma das lideranças do Acampamento Zé Maria do Tomé, localizado em Limoeiro do Norte, no Vale do Jaguaribe cearense, a camponesa Damiana Bruno celebrou a força feminina dentro do Movimento Sem Terra. “A agricultura é responsável pela alimentação do mundo! Se a gente não plantar, ninguém se alimenta. Então, estar nesse palco é algo muito grande pra gente. Mas quantos corpos ainda precisaremos perder para aprendermos que somos nós que parimos? Não dá pra estar nesse espaço e não lembrar das dores de mães e filhas que perdem suas mulheres para violência de homens monstruosos. Não é fácil estarmos em famílias machistas e racistas. Nos interiores, esse machismo prevalece muito mais, sobretudo na área camponesa, porque as mulheres são criadas para serem apenas alguém que cuida de menino e os homens para terem liberdade.”

À frente de um projeto social que beneficia 840 crianças e adolescentes no Grande Bom Jardim com práticas educacionais e esportivas, a bailarina Katiana Pena falou do poder da dança e de como ela é capaz de resgatar vidas. “Eu tô aqui como mulher da quebrada, da favela, que tinha tudo pra dar errado na vida. Mas a arte me resgatou. Eu não tive estudo; não tive oportunidades. Eu não tive minha etapa de criança. Eu sempre fui adulta e fico muito feliz da mulher que me tornei e da mãe que sou. Então, quando eu me formei, quando eu tive todas as experiências que tive, eu fiz uma promessa pra mim mesma: “eu vou ajudar minha comunidade; vou voltar lá, usar minha força, vou usar minha arte e oportunizar pra outras meninas e mulheres tudo aquilo que eu não tive. Eu trabalho com mulheres invisíveis, que são violentadas, que são caladas todo santo dia e eu não tenho formação nenhuma pra lidar com isso. O que eu tenho é a vontade de querer fazer, de querer mudar, assim como a dança me transformou.”

 

 

Raimunda Tapeba, pajé de 19 povos e aldeias indígenas no Ceará, contou da urgente luta pela terra que as populações originárias protagonizam há século, tendo a mulher papel preponderante para a garantia de direitos. “Eu não tô me desfazendo do homem, mas a mulher é mais capacitada. A mulher é pro lar, é pros filhos, é pra tudo. Eu, como mestra da cultura e pajé, tenho a sabedoria, uma cultura dentro do meu povo, dos remédios caseiros, da reza, da cura. Isso é a minha ciência. É a minha história com as mulheres guerreiras de dentro da aldeia ensinando as crianças e jovens.”

A psicóloga Lucinaura Diógenes, presidenta do Instituto Bia Dote, atua na prevenção e pós-venção ao suicídio, e lida com o estigma em torno do assunto. “Quando aconteceu comigo, com a morte da minha filha aos 13 anos, em 2008, apesar de ser um sofrimento muito grande, de ser uma surpresa pra mim, eu achei isso um absurdo. Eu falei: “eu não vou calar. Eu não vou calar a vida da minha filha. Eu não vou calar a morte da minha filha porque eu acho que a gente pode trabalhar com isso, que a gente pode salvar outras vidas, que a gente pode trazer isso à tona e falar sobre isso”. Então, meu desafio foi falar do que as pessoas não gostavam de ouvir e não queriam ouvir. Eu não queria que a morte da minha filha fosse só mais um número na estatística. Achei que poderia dar voz a essa dor.”

Primeira vaqueira do Ceará e também mestra da cultura, Dina Maria lembrou de como foi difícil entrar num ramo tão masculino quanto a vaquejada. “Meu pai queria que eu fosse estudar e me internou num colégio. Mas não era aquilo que eu queria. O que eu mais queria era lidar com a natureza. Fui convencendo pouco a pouco até que ele abriu mão. Naquela época, anos 60, mulher não usava calça comprida. Só vestido. Eu sofri muito, mas não tava nem aí, sabe? Homem nunca me venceu e nunca vai me vencer.”

Integrante do Movimento Negro, a professora Antônia Araújo destacou a necessidade de pessoas negras ocuparem espaços de destaque. E lembrou de um compromisso que fez consigo mesma. “Eu prometi que aonde eu fosse levaria os meus comigo. Jamais chegaria sozinha. Porque nós passamos muito tempo para escrever a nossa história e a gente está escrevendo no dia a dia mesmo. A gente escreve na escola, na universidade, na roça, em todo canto que a gente está.”

Encerrando as homenagens, as irmãs Verônica e Valéria Carvalho detalharam os desafios que encontram ao promoverem atos antirracistas no Crato. “Sou assistente social, sou bióloga e sou o que eu mais gosto que as pessoas se identifiquem: educadora popular. Eu sou descendente de um aguerrido povo quilombola. Sou do Grupo de Valorização Negra do Cariri. E a gente vem de um trabalho difícil porque a gente defende a vida; a gente defende o nosso direito de existir.”, afirmou Verônica. “Chega de tanta dor, minha gente! Isso não quer dizer que a gente vai colocar embaixo do tapete as dores, mas nós não podemos construir um mundo bom pra gente viver se a gente só caminhar na dor. Procurem o amor! Esse projeto [Todas Somos Uma] é um trabalho excepcional. Ele mostra que por mais que tranquem a porta os espaços de visibilidade também nos pertencem. Mas nada é individual. Tudo é coletivo”, acrescentou Valéria.

Também fazem parte do “Todas Somos Uma” a primeira ministra da Igualdade Racial do Brasil, Matilde Ribeiro, e a irmã Gabriela Pinna, que atua na Pastoral Carcerária há 28 anos e vive em Fortaleza há uma década e meia. Por motivos de saúde, as duas não puderam participar da cerimônia de lançamento do projeto.