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Indígenas de Poranga falam sobre pertencimento durante audiência pública que abordou impactos causados pela disputa territorial entre Ceará e Piauí

Indígenas de Poranga falam sobre pertencimento durante audiência pública que abordou impactos causados pela disputa territorial entre Ceará e Piauí

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Texto e foto: Amanda Sobreira

“Nós somos do Ceará, nós somos cearenses”. Esse foi o tom da audiência pública promovida pela Defensoria Pública do Ceará, em parceria com a Secretaria dos Povos Indígenas do Estado, para ouvir os povos originários que vivem no território em disputa pelo Ceará e o Piauí, na extensão entre a região dos Inhamuns e Serra da Ibiapaba. A audiência foi realizada na última sexta-feira (24) na Escola Indígena Jardim das Oliveiras nas Aldeias Umburana e Cajueiro, no município de Poranga. Os depoimentos da ampla participação  serão compilados para compor a ação judicial que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2011.

Poranga será um dos municípios mais atingidos com a perda de território e além dele, outros 12 municípios, sendo oito na Serra da Ibiapaba, são alvo da disputa entre os dois estados. Uma área de quase 3 mil km², rica em mineração, terras férteis para a agricultura e grande potencial para as energias eólica e solar. Duas aldeias indígenas estão no território da cidade. A Defensoria do Ceará atua como amicus curiae (amiga da Corte), representando os interesses do povo mais vulnerável cearense.

Durante a audiência pública, lideranças de diversas etnias e entidades atuantes na defesa dos direitos indígenas falaram sobre os impactos nas tradições e nos modos de vida das comunidades da região. A discussão sobre os limites territoriais entre o Ceará e o Piauí remontam o tempo do Império Brasileiro. No processo, o Piauí usa como principal argumento o Decreto Imperial nº 3.012, assinado pelo imperador D. Pedro II em 1880. Do lado do Ceará, pesquisadores afirmam que o decreto delimita apenas duas áreas permutadas pelos Estados: a Freguesia de Amarração e a comarca de Príncipe Imperial (atualmente, os municípios de Independência e Crateús), não descrevendo, portanto, toda a divisa entre os estados vizinhos. Além disso, o processo despreza o pertencimento e todo o arcabouço de arranjos sociais, econômicos, legais e de serviços que abrangem a área. 

A Defensoria Ceará compreende que os principais afetados – as pessoas que vivem na região – devem ter voz ativa no processo.  “Os limites territoriais devem ser definidos em favor das pessoas, jamais contra elas. Ainda que houvesse uma decisão ou documento favorável ao Piauí da época do Império Brasileiro, produzido autocraticamente, este não pode prevalecer em uma República Democrática, na qual é soberana a vontade popular, de acordo com a Constituição. Todas as decisões, passado e presente, só podem derivar, para serem legítimas, de referendo popular”, discorreu Leandro Bessa, subdefensor geral do Ceará, que acompanhou o debate.

A professora Maria José Gomes citou o poeta Patativa do Assaré ao defender a luta pela permanência da sua ancestralidade no Ceará. “Eu sou brasileiro, filho do Nordeste, sou cara da peste, sou do Ceará. E assim irei morrer. Querem tirar 66% de nossas terras e fica o meu apelo para que lutemos, que tenhamos coragem, que passamos a ler, estudar. Eu garanto a vocês, no meu depender, perto da juventude: esse assunto irá chegar e precisa chegar às demais idades, aos idosos que estão em casa, é preciso fazer parte das nossas aulas para que nós não percamos o conhecimento. É para fazer despertar o interesse da população em torno deste assunto”, discursou a professora indígena.

Foi na mesma emoção que o tabajara José Mardônio Rodrigues, morador da aldeia Cajueiro, defendeu seu território e pediu a união da população e dos representantes políticos na defesa dos interesses do povo cearense. “Nós jamais deixamos o que é nosso para trás. O Ceará é terra rica, nós temos ouro, temos minério, temos ametista. O estado do Piauí não tem. Esse é o interesse do Piauí em entrar nas terras do Ceará.Toda população, indígena e não  indígena, vereadores, prefeitos: vamos nos dar as mãos e apoiar a nossa causa”.

Pela Secretaria dos Povos Indígenas, o secretário-executivo Jorge Tabajara, Cacique do povo Tabajara de Poranga, considerou o momento histórico e agradeceu a Defensoria pelo compromisso na defesa dos povos originários. “Esse é um momento histórico, mais um passo crucial na luta por justiça, pela defesa da nossa ancestralidade e dos nossos territórios, como pertencente ao Estado do Ceará. A palavra é de gratidão à Defensoria pela demonstração de compromisso do estado com a defesa dos nossos direitos para dialogarmos e buscarmos soluções justas para resolver esse litígio com o respeito ao ordenamento jurídico do país. A Convenção 169 preconiza a consulta dos povos interessados, por meio de procedimentos adequados, e devem ser previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente”, disse.  

Participaram da audiência pública, a procuradora do Estado, Bruna Souza Azevedo, o vice-prefeito de Poranga, Igor de Almeida, o procurador adjunto de Tinguá, Iraldo Filho, a ouvidora externa da Defensoria Pública, Joyce Ramos, além de vereadores, advogados, professores e representantes de diversas entidades e movimentos sociais. A mobilização do momento, que contou com 200 pessoas, foi uma parceria da Sepince com a Assessoria de Relacionamento Institucional e  Ouvidoria Externa da Defensoria.