
Regulamentação do CNJ que estabelece procedimento aos cartórios para união de pessoas homoafetivas completa 10 anos
Mesmo após 21 anos de sanção do Código Civil, há ainda situações do Direito de Família que vêm sendo definidas a partir das garantias constitucionais e de entendimentos dos tribunais. Uma delas é com relação ao casamento homoafetivo. Neste mês de maio completa-se dez anos que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) resolveu e regulamentou todos os cartórios do Brasil a celebrar o casamento civil e a converter a união estável homoafetiva em casamento. A Resolução nº. 175/2013 do CNJ deu efetividade à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo/gênero.
É conferido a elas os mesmos direitos previstos na Lei de União Estável, que julga como entidade familiar “a convivência duradoura, pública e contínua”, independente do gênero dos cônjuges. A Resolução 175/2013 vinha na esteira de várias decisões judiciais que vinham desde 2011, no STF configurando a conversão de união estável em casamento civil para casais homoafetivos. Daí, dois anos depois, o CNJ expediu a recomendação aos cartórios, determinando que tabeliães ficassem proibidos de se recusar a registrar o casamento civil e a conversão de união estável em civil de casais homoafetivos.
O reconhecimento da união estável como entidade familiar está no cerne da Constituição Federal de 1988 e sua proteção especial elencada no seu artigo 226. De acordo com o defensor público Sérgio Luís de Holanda Barbosa Soares de Araújo, supervisor das Defensorias da Família de Fortaleza, a diferença entre união estável e casamento civil se dá por duas importantes questões: “A primeira delas é a formalidade. No caso do casamento existe um documento assinado em cartório com duas testemunhas e perante um juiz de paz. Já a União Estável é algo mais informal, duas pessoas podem começar a morar juntas com interesse de constituir família e assim serem consideradas. A segunda está relacionada à herança, constitucionalmente a lei dá preferência a casais que são casados no papel, o que não significa que pessoas que vivem juntas não tenham direitos”, pontua o defensor público.
Para o supervisor, o Direito de Família é muito dinâmico e está muito relacionado aos acontecimentos concretos do dia a dia. “Nós temos uma série de acontecimentos que surgem e que vão trazer novas formações familiares, novas formas de vida e de família e que vão exigir regulamentação jurídica. A principal norma que trata sobre o tema é a Constituição de 1988. Ela colocou a família como centro da sociedade, a base de tudo e a partir disso, nós podemos ter uma multiparentalidade e com ela, vão surgindo novas necessidades de regramento jurídico”, afirma.
A Defensoria Pública do Estado do Ceará, por meio do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas (Ndhac) e por meio do Núcleo de Atendimento e Petição Inicial (Napi), pode auxiliar nos trâmites processuais do casamento civil de pessoas do mesmo gênero. Casais constituídos por pessoas homossexuais, bissexuais ou pansexuais podem recorrer à Defensoria para auxiliar na tramitação de alguma certidão, mas isso, claro, se comprovarem hipossuficiência para pagamento de taxas.
Para a supervisora do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas (Ndhac), Mariana Lobo, o marco de 2013 precisa evoluir e alcançar uma legislação específica. “O marco dos 10 anos da Resolução é muito salutar, mas denota ainda a dificuldade que a política pública e as legislações sobre o tema tem de serem pautadas. Existem leis no Congresso Nacional que sequer chegaram a ser apreciadas”. Para ela, o STF atuou de forma assertiva pois reconheceu um direito que vinha sendo pleiteado pelos casais na justiça, o CNJ uniformizou a atuação de cartórios no país, mas lamenta que até o momento “o Legislativo não se debruçou de forma efetiva sobre o tema para garantir direitos”.
Embora isso ocorra, o direito está nas ruas. E só se solidifica. Em 2011, quando começou a regulamentação do tema, o Brasil realizou cerca de 1.534 casamentos homoafetivos, segundo dados da Arpen (Associação dos Registradores de Pessoas Naturais). Em 2013, quando o Conselho Nacional de Justiça publicou a resolução, foram 3.700 registros. Já em 2021, dez anos depois do STF, o Brasil já tinha chegado a mais de 10 mil registros deste tipo de união.
Em 2023, este número deve permanecer em ascendência. Segundo dados ainda da Arpen, as mulheres homoafetivas casam mais que os homens. Desde 2013, o número de mulheres foi superior ao de homens em quase todos os anos. “Importante é que os casais homoafetivos já possuem seus direitos efetivados. Isso se dá na prática. Mas nós que militamos nessa seara queremos ver a lei que possa abraçar tantos coletivos e pessoas que lutam por ela diariamente”, sentencia a defensora.