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“Se o mundo virar contra mim, eles estarão ao meu lado”

“Se o mundo virar contra mim, eles estarão ao meu lado”

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O apoio familiar é importante para o desenvolvimento das crianças e jovens. Para as pessoas trans e travestis, esse é um tema que permeia toda a vida. É na fase delicada de descoberta sobre a identidade de gênero que a criança e jovem precisam encontrar o apoio da família. Dentro de casa, as experiências podem fortalecer a pessoa, intensificar os afetos, com respeito e acolhimento.

“Hoje é um dia muito significativo que vou lembrar por toda minha vida”, revela Alice, uma adolescente trans, de 15 anos, sobre o início do processo para a mudança de nome e gênero na certidão de nascimento. A menina, juntamente com os pais, buscou a Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará (DPCE), nesta quinta-feira (30/06), para fazer o pedido durante o evento Transforma, I Mutirão de Retificação de Nome e Gênero. Para a retificação de nome e gênero, em menores de 18 anos, somente é possível com o apoio dos pais, para dar início a uma ação judicial.

A jovem contou para a mãe, aos 12 anos, que era trans. “Em 2019, Alice simplesmente chegou e disse pra mim e pro pai dela: mãe, eu não estou feliz. Eu não quero mais ser chamada pelo meu nome de registro. Eu quero ser a Alice. Chegou com o nome pronto, já chegou toda definida”, relembra Neide, a mãe de Alice.

Para Alice, o momento de conversar com os pais sobre sua identidade de gênero, foi um período de preparação, tanto internamente, quanto externamente. “Eu pesquisei muito sobre isso. Muito. Eu falei com pessoas sobre isso, com outras meninas, mas assim, pra mim, eu acho que foi um processo muito interior, meu. Eu passei por esse processo solitária, comigo mesma, aproveitando minha companhia, me conhecendo mais, conhecendo mais sobre os meus próprios gostos”.

 

 

A mãe conta que o processo não foi fácil, mas que, com o tempo, decidiu tentar compreender. Buscou especialistas, como psicólogo e endocrinologista, e então entendeu que Alice era de fato Alice. “A gente não faltava nenhuma das consultas, até que aquilo foi trabalhando dentro de mim e eu comecei a entender que a Alice era a minha filha. Inicialmente, quando eu engravidei, eu sempre quis ter uma menina. Então, ela veio pra me ensinar mais, veio me ensinar mais coisas”, diz.

Por ser menor de idade, Alice precisa do acompanhamento dos pais para vir ao mutirão dar entrada no pedido de retificação. A mãe e o pai da jovem, além de estarem presentes para responder legalmente por ela, vieram para dar apoio a um momento tão importante na vida da filha. A menina não conseguiu esconder o orgulho e emoção em ter a família ao lado. “Ter a companhia deles é muito bom, porque tem muita gente que não tem esse privilégio. Ter a companhia deles me faz pensar que não estou sozinha, que eu tenho o apoio, que qualquer coisa eu posso contar com eles. Eu tenho minha vida, eles têm a vida deles, mas eles estão comigo. Eles estão me apoiando. Se o mundo virar contra mim, eles estarão ao meu lado”, declara a adolescente.

A defensora pública Anna Kelly Nantua foi uma das defensoras do mutirão e responsável pelo atendimento de Alice e seus pais. Ficou impressionada com a atitude da menina, muito decidida, e achou inspirador o apoio da família. “Eles tiveram que passar também por um processo de adaptação para entender e aceitar a filha e revelam isso nessa caminhada. Hoje, os pais compreendem e apoiam a Alice. Estavam lá para ingressar com essa ação judicial para que ela tivesse o nome retificado e o gênero retificado. Ali eu percebi a importância da família nesta transformação, no acolhimento e apoio.”

 

 

A família esteve presente no auditório da Defensoria, vibrando com filhos e filhas. Ter os pais ao lado, em um dia como esse, multiplica a felicidade do momento. Maria Rafaela, de 19 anos, sabe disso. Ao lado do pai Edson, que com o celular na mão, registrou cada momento. “Pra gente é muita emoção. É o que podemos dizer nesse momento até cair a ficha. Sempre apoiei. No começo a gente sempre conversa, é claro, depois a gente vai entendendo. Mas nunca fui preconceituoso, nem nada. Ela sabe disso”, comenta o pai, orgulhoso.

Maria Rafaela já vinha há um tempo tentando retificar seus documentos, mas o processo deu errado. Ela conta que o mutirão facilitou a realização desse sonho. “Pra mim foi um processo muito doloroso, porque eu comecei a fazer a transição muito cedo. Então as pessoas julgavam muito, eu era muito nova e não sabia muito bem como reagir. Hoje em dia, sou muito orgulhosa da pessoa que eu sou. É uma conquista! Não sei como eu não chorei, porque eu fico bem emocionada nessas horas, mas, assim, é uma sensação de alívio”, expõe a jovem.

Alice, que observava o vai e vem do auditório, o sentimento era de emoção. “É um momento especial, não só pra mim, mas pra um monte de pessoas que estão aí pra ser quem são e lutar pelos direitos delas. Quando entrei aqui, vi muita gente linda indo atrás dos seus direitos. Há um tempo atrás, a gente não tinha direito a isso, mas agora tá ganhando voz. Eu tenho muito orgulho de todo mundo, das minhas meninas e dos meus meninos”, disse com a certeza do pertencimento.