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Supremo Tribunal Federal aprova precedente capaz de anular provas recolhidas em buscas domiciliares 

Supremo Tribunal Federal aprova precedente capaz de anular provas recolhidas em buscas domiciliares 

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A Constituição Brasileira determina taxativamente no artigo 5º, XI: “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.

Além da Carta Magna, o  Código Penal brasileiro, em seu artigo 150, estabelece à categoria de crime a violação de domicílio: “Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências” e ampliou ainda o conceito para compreender qualquer compartimento habitado, aposento ocupado de habitação coletiva, compartimento não aberto ao público onde alguém exerce profissão ou atividade.

Percebe-se claramente que a tutela da legislação brasileira está voltada integralmente para a proteção à pessoa na sua esfera de liberdade doméstica e não para a defesa do imóvel. Recentemente, mais uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) considerou que uma denúncia anônima de tráfico de drogas não justifica a invasão de domicílio para fins de investigação criminal. A partir disso, o ministro Edson Fachin anulou provas de um processo criminal e absolveu um homem acusado de tráfico de drogas em São Paulo.

Segundo Fachin, que é relator do caso, não foi observado no processo nenhuma razão concreta — no que tange ao crime de tráfico — para que se justificasse a invasão domiciliar sem mandado judicial. Somente com base em denúncia anônima os policiais coagiram o acusado a se deslocar para sua casa, sem elementos legais que pudessem corroborar a prática do suposto crime. Também não foi constatada a presença do flagrante delito, que poderia respaldar a entrada na residência sem mandado ou autorização do morador. “As provas derivadas da prova ilícita (no caso, o depoimento dos agentes de polícia que fizeram a incursão ao domicílio) restam imprestáveis em razão do que a doutrina denomina de teoria dos frutos da árvore envenenada”, escreveu.

Em sua fundamentação, o ministro reforça que “admitir configurado o estado flagrancial com assento em ‘suspeitas’, ‘intuição’, ‘denúncias anônimas’, ou mesmo na ‘convicção íntima’ do policial que não possa ser corroborada por algum elemento que indique a visibilidade material das situações de flagrante, ou seja não configura motivação suficiente para invasão domiciliar e nem para caracterizar flagrante delito. Além dessa decisão, existem vários outros embates nas cortes superiores que abordam sobre o tema.

No Ceará, a Defensoria Pública, por meio dos defensores de segundo grau, possue atuação no Tribunal de Justiça, nas áreas cível e criminal, e as defensoras públicas Mônica Barroso e Patrícia Sá Leitão se dividem nas cortes em Brasília como membros do Grupo de Atuação Estratégica das Defensorias Públicas Estaduais e Distrital nos Tribunais Superiores.

Para Patrícia de Sá Leitão a decisão foi acertada. “STJ e STF vêm consolidando o entendimento de que buscas domiciliares sem prévia investigação e mandado constituem ilegalidade, contaminando todas as provas daí derivadas, inclusive o flagrante delito. A denuncia anônima pode ser o ponto de partida de uma investigação, mas não pode, por si só, ser a justificativa para violacao domiciliar, sob pena de fragilizar a garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio. Acerta o STF na decisão”, reflete.

Em um dos casos de violação de domicílio acompanhados pela Defensoria Pública do Ceará, uma mulher de 45 anos foi denunciada, em 2019, após policiais militares receberam a informação de tráfico de drogas na residência. O juiz de primeiro grau rejeitou a denúncia do Ministério Público.

“A denúncia não conseguiu demonstrar que a circunstância autorizadora da medida de força era prévia e que as suspeitas da ocorrência de crime no interior do imóvel eram de tal ordem que justificavam o ingresso. Daí decorre a inadequação do- ingresso em domicílio e a natural imprestabilidade das provas obtidas por meio ilícito. Em que pese a boa intenção policial, sua forma de agir mais ameaçam direitos fundamentais do que promovem segurança no bairro tomado pelo tráfico. Essa situação admitida como certa e sabida na denúncia deve redundar em investigação com a polícia civil e não invasão de domicílio”, setencionou o juiz da 4ª Vara de Delitos de Trafico de Drogas. No entanto, o MPCE recorreu e teve o pedido acolhido pelo Tribunal de Justiça.

O STJ recebeu Recurso Especial (Resp) e Agravo em Recurso Especial (AREsp) impertostos pela Defensoria Pública do Estado do Ceará, negados em decisão monocrática, mas após um novo recurso judicial chamado Agravo Regimental, que tem o intuito de fazer com que as Turmas dos tribunais provoquem a revisão de suas próprias decisões, a 5a turma do STJ restabeleceu a rejeição da denúncia.

A Defensoria Pública alegou que “verificou-se que o procedimento policial se deu por meio de invasão ilegal de domicílio e assim eivou de nulidade todos os atos processuais dele decorrentes, inclusive, a denúncia ofertada, não havendo como ser recebida sem que isso implique em flagrante inconstitucionalidade e ilegalidade. Cumpre destacar, ainda, que denúncias anônimas, dissociadas do mínimo de persecução policial, não conferem autorização para a invasão perpetrada pela polícia, eivando de nulidade o procedimento e, por consequência, as provas que dai decorreram”, ponderou a instituição.

Acompanhando os processos que chegam às cortes superiores percebe-se o entendimento pacificado que uma denúncia anônima não pode servir de base para a instalação de um processo judicial. “Sabemos que a entrada de forças policiais na residência do investigado é, provavelmente, um dos momentos de maior tensão entre o interesse do Estado de manter a ordem e punir ilícitos versus as garantias individuais, como a intimidade, a privacidade e a inviolabilidade do domicílio. Mas importante reforçar que o ingresso em residência deve limitar-se ao artigo 248 do Código de Processo Penal: ‘em casa habitada, a busca será feita de modo que não moleste os moradores mais do que o indispensável para o êxito da diligência’, alem de respeitar as garantias constitucionais, ponderou Patrícia.