Defensoria requer em ACP a criação de repúblicas para jovens que completam 18 anos
Um passo importante foi dado na Ação Civil Pública (ACP) movida pela Defensoria Pública do Estado do Ceará para que a Prefeitura de Fortaleza crie repúblicas para os jovens que saem das unidades de acolhimento, após completarem 18 anos. Desde 2016, tramita na 12º Vara da Fazenda Pública, a ACP interposta pelo Núcleo de Defesa dos Direitos da Infância e da Juventude (Nadij) para a criação de espaços – chamados de repúblicas – que recebam os jovens que não possuem vínculos familiares e tampouco conseguiram passar por processo adotivo, tendo ficado a infância e juventude acolhidos em abrigos institucionais.
Em sua última atualização, o Ministério Público apresentou parecer favorável para que o município de Fortaleza crie, execute e mantenha as instituições organizadas em unidades femininas e masculinas, atendendo as diretrizes e o plano fixados na Resolução 109 e 145 do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS). Nos autos do processo já consta uma contestação vinda do município de Fortaleza, no dia 26 de fevereiro de 2018, quando a Defensoria Pública fez a réplica de defesa da ação. A Ação Civil Pública aguarda a decisão da juíza Nádia Maria Frota Pereira.
“O projeto da República tem o objetivo de garantir a esses jovens, que não têm vínculos familiares e experiências profissionais, o direito básico à moradia, assegurando investimentos públicos que permitam o desenvolvimento da autonomia dos jovens e os seus empoderamentos, para que possam seguir as suas vidas da melhor forma”, informa o defensor público e supervisor do Nadij, Adriano Leitinho, que deu entrada na ação.
Uma vida estruturada, um diploma de nível superior, uma família e mais do que uma casa, um lar. Esse é o desejo de um adolescente que encontrou nos estudos a sua grande paixão, em meio as violência que vivenciava em casa. Vítima de maus tratos da companheira de sua mãe, E.A.A., 17 anos, adentrou o mundo dos livros com entusiasmo e encontrou neles força. “Eu sempre amei estudar, aguentava tudo dentro de casa, porque sabia que no dia seguinte eu iria para a aula”, relembra.
“Quando fiz 15 anos, minha mãe disse que eu não frequentaria mais o colégio e aquilo me deixou maluco. Aí criei coragem e fugi de casa. Como eu não tinha para onde ir, fui até minha escola e pedi ajuda para a diretora. Contei tudo o que acontecia na minha casa e ela chamou o Conselho Tutelar, eles me levaram para um abrigo e tive a oportunidade de continuar estudando”, relatou o jovem. A história de superação veio novamente este ano, quando ele foi aprovado no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e, por meio do Prouni, está cursando Design Gráfico.
A aprovação no curso superior poderia ser mais um passo rumo aos projetos sonhados pelo adolescente, porém a vida dá o aviso que não será tão fácil, mais uma vez. Ele completará 18 anos, no próximo dia 29 de agosto, e terá que deixar o abrigo. Esta é a realidade de quem completa a maioridade dentro de um abrigo institucional, no Ceará. Jovens que advém de uma infância ou adolescência tumultuada com famílias desestruturadas e, por motivos outros, não conseguiram a adoção, ao completarem a maioridade não têm mais o apoio estatal para se firmar quando adultos.
O defensor público Hélio Vasconcelos, que atua no Nadij, e acompanha de perto a situação das crianças acolhidas nos abrigos e aponta quão difícil é o momento do jovem universitário. “No caso deste garoto, que está próximo a completar a maioridade e não ocorreu sua adoção por uma família substituta, é parecido com de tantos outros que passam pelos acolhimentos. O acolhimento busca ajudá-los a enfrentar a realidade que os espera do lado de fora, buscando prepará-los para enfrentar as adversidades do mundo, mas é muito duro abrir a porta e deixá-los enfrentar o mundo caminhando sozinho”, diz o defensor público. O garoto, segundo o defensor, tem custeado a universidade com a ajuda dos próprios servidores do abrigo, já que não possui nenhuma renda. “Ele é um exemplo de adolescente acolhido que busca, através dos estudos, uma oportunidade para melhorar de vida, de mudar seu destino e assim provar que a ausência daqueles que deveriam lhe dar todo o suporte, no caso, os pais, não levaram o mesmo a escolher o caminho das drogas, do crime, de ser mais uma vítima do sistema perverso em que a sociedade atual se encontra. A educação sempre será capaz de mudar as pessoas e o mundo”, afirma o defensor. Este jovem, porém, poderia ter sua situação contornada caso o poder público instituísse uma política assistencial que permita a criação de repúblicas, conforme requer o teor da ACP, pondera.