
Saiba como a atribuição de requisição da Defensoria Pública pode ajudar os mais vulneráveis
“Cerca de 90% dos trabalhos que encaminhamos aqui são relacionados à documentação, seja a ausência dela ou a retificação. As pessoas em situação de rua perdem muito os documentos, são furtados e quando são mais idosos ou que já estão vários anos em situação de rua, perdem a noção e a referência de tempo. Não lembra das datas de nascimento e para localizar a segunda via da certidão de nascimento fica muito mais complicado”. A afirmação é da advogada Thaís Tiemi Tamura Nobre, do Centro Pop do Bairro Benfica, que diariamente encaminha pedidos para Defensoria Pública do Ceará para localizar certidões de nascimentos por meios administrativos, antes de judicializar as questões.
No caso do Centro Pop, com atuação em Fortaleza, é o Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas da Defensoria Pública Geral do Estado (DPCE) que faz a requisição aos cartórios. Ao longo do ano de 2021, das 184 certidões de nascimento recebidas pelo Núcleo, sendo 52 delas foram de forma administrativa, por meio de ofícios encaminhados aos cartórios e sem necessidade de ação judicial.
Outras demandas atendidas de forma administrativa são do Núcleo de Defesa da Saúde (Nudesa) da DPCE. Graças a parceria com a Secretaria Estadual da Saúde (Sesa), muitos pedidos estão sendo atendidos sem a necessidade de aguardar uma decisão judicial. Trata-se do projeto “Defensoria em Ação por mais Saúde”, implementado em 2016 e que dá celeridade aos trâmites extrajudiciais.
Em 2020, o Nudesa recebeu 159 pedidos de pessoas que precisam fazer algum tipo de cirurgia. Desses, 62% foram resolvidos de forma administrativa. Já em 2019, o Nudesa registrou 402 solicitações por cirurgias, dos quais 54% foram resolvidos extrajudicialmente. Ou seja, apenas entre o diálogo entre a Defensoria e a Sesa, sem acionar o Poder Judiciário.
Para dar amplitude a questão, a Corregedoria da Defensoria fez um levantamento sobre a quantidade de ofícios pedidos por defensores e defensoras do Ceará e o número surpreende. Em um ano (novembro de 2020 a novembro de 2021), foram 8.107 ofícios, pedidos e requisições que solucionam questões ou encaminham para soluções extrajudiciais. Ou seja: desafogam a justiça e chegam de forma mais rápida ao direito do cidadão.
A atribuição de defensores e defensoras em solicitar informações às autoridades virou pauta de questão nacional quando o Procurador Geral da República, Augusto Aras, adentrou no Supremo Tribunal Federal (STF) com a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.852 questionando as requisições de certidões, exames, perícias, vistorias, diligência, documentos, além de outras providências necessárias para a atuação das Defensorias Públicas. São 22 processos contra legislações estaduais que reproduzem a regra, inclusive do Ceará.
A questão é acompanhada com preocupação por defensores públicos de todo o país, bem como por várias entidades da sociedade civil organizada que se habilitaram nos autos como amicus curae.
O ministro relator, Edson Fachin, já se posicionou a favor das requisições dos defensores, dizendo que não há inconstitucionalidade na norma. Desde novembro de 2021, o ministro Alexandre de Moraes, pediu vistas dos autos. O assunto volta para a pauta do STF nesta sexta-feira (11.02), quando está agendada a retomada do julgamento da ação que discute o atributo da Defensoria Pública de requisitar documentos de autoridades e da administração pública.
Para a defensora pública geral do Ceará, Elizabeth Chagas, “a atribuição de requisição dos membros da Defensoria Pública apenas corrobora para que a instituição cumpra sua missão constitucional, ao viabilizar o acesso facilitado e célere da coletividade e individuais dos hipossuficientes a documentos, informações e esclarecimentos”, destaca. Ela lembra que a Lei Complementar Estadual número 06 de 1997 prevê a seguinte redação: “são prerrogativas dos membros da Defensoria Pública requisitar de autoridade pública e de seus agentes exames, certidões, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e providências necessárias ao exercício de suas atribuições”.
Assim, destaca ainda que o defensor público e a defensora pública possuem amparo no dispositivo legal para exigir de qualquer autoridade pública informações e esclarecimentos em relação aos casos no qual está atuando. A autoridade pública, que recebe a requisição, não é obrigada a aceitar a solução proposta, mas sim a responder, o que aumenta as chances de acordo ou de solução para o litígio.
Um desses casos atendidos pela Defensoria foi o de Jheferson Dantas Cabral, 24 anos, natural de Juazeiro do Norte. Ele vive em situação de rua, está desempregado. Se não fosse o trabalho de requisição da DPU, não teria condições de ir até a cidade de origem para buscar o documento. “Eu fui assaltado e pra ir lá em Juazeiro do Norte atrás do meu registro é complicado demais. Estou desempregado, em situação de rua e não dá. Aqui foi mais prático, fizeram o pedido com a Defensoria e com dois meses eu estava com a minha documentação. É uma esperança que renasce. Amanhã vou no Vapt Vupt tirar o meu RG e ir atrás dos benefícios que eu tenho direito também. Viver sem documento é uma tristeza”, comenta o jovem.
“Com a pandemia, aumentou muito a nossa demanda. Antes a gente tinha uma média de 80 pessoas aqui, agora são 150. Depois da alimentação, o serviço mais procurado é o encaminhamento para a Defensoria Pública”, contextualiza a coordenadora do Centro Pop. Sobre o registro de nascimento, a busca ativa nos cartórios de registro civil, se dá, primeiramente, por requisição. “A maioria dos casos que atuamos se resolve no extrajudicial. Geralmente aquela pessoa já havia sido registrada e o cartório responde nosso ofício já com a segunda via do documento. Dessa forma, a Defensoria propicia às pessoas que não possuem o registro o direito de exercer com plenitude a cidadania”, explica Mariana Lobo, supervisora do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas.
Uso frequente
Em estudo encomendado pelo Condege, 55,8% das defensoras e defensores do País emitem de 10 a 50 ofícios/requisições por mês. Entre todas as Defensorias, 97% defensoras e defensores do País consideram o poder de requisição muito importante, e 89,4% disseram que fazem uso dessa prerrogativa “sempre” ou “frequentemente” durante a atuação.
O estudo indica, ainda, que a aplicabilidade do poder de requisição ocorre em várias áreas, sendo as principais e em ordem de maior frequência a cível, direito da mulher, família, criminal, saúde, fazenda pública, infância e juventude, consumidor, execução penal, violência doméstica e direitos humanos.
Para a defensora geral do Ceará, “o elo entre o exercício da atribuição de requisição e a atuação sem judicialização é uma amostra da importância da nossa atuação no acesso à justiça, antes mesmo de chegar ao poder judiciário, impactando positivamente na cidadania, na redução de processos judiciais em tramitação e na celeridade da solução de conflitos”, finaliza.