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“Ela sempre esteve comigo; me protegeu”, diz filha que lutou para provar inocência da mãe em caso de estupro

“Ela sempre esteve comigo; me protegeu”, diz filha que lutou para provar inocência da mãe em caso de estupro

Publicado em
Texto: Bruno de Castro
Fotos: ZeRosa Filho

Ver a mãe algemada, na iminência de descer pro presídio, ainda mais por um crime que não cometeu, fez nascer na jovem um desespero atroz. Para além do temor que naturalmente uma penitenciária causa, a garota foi atravessada por outra sensação. “Eu me sentia culpada. Pensava: ‘o que eu falei pra ela ser condenada?’ Ela ser presa foi um baque muito grande. Pegou todo mundo de surpresa”, recorda. Era 23 de dezembro de 2021 e a garota só queria uma coisa: salvar quem muitas vezes a salvou.

“Minha mãe é minha rainha. Eu sabia que ela era inocente. Não tinha porque estar presa”, afirma. Foi por isso, por essa certeza, por esse amor e por tudo vivido até ali, que ela lutou para provar a inocência de Edilene Rodrigues. Escreveu carta para juiz, buscou a Defensoria Pública do Ceará (DPCE) e, ao saber da existência do Innocence Project Brasil, uma associação sem fins lucrativos que atua para reverter erros do judiciário, também pediu ajuda. Fez de tudo. Até conseguir, em 30 de setembro de 2024, provar a inocência da mãe.

Em um tribunal cheio de homens e mulheres de toga preta, a jovem ouviu, entre tantas palavras incompreensíveis, um deles anunciar a anulação da condenação. Edilene não era mais culpada de omissão diante dos abusos sofridos pela filha em 2012. Voltava a ter, enfim, a ficha novamente limpa. Para a justiça, a responsabilidade do crime foi inteiramente do então namorado da mulher, condenado a 14 anos de prisão por “estupro de vulnerável”.

Reprodução de uma das cartas enviadas pela jovem pedindo ajuda para inocentar a mãe [FOTO: Bruno de Castro]

 

“Não desanimei porque meu objetivo era tirar ela daquele lugar. Durante todo o tempo, ela sempre esteve comigo. Ela sempre me protegeu. E eu via ela sofrendo lá dentro. Ela não sabia de nada que ele fazia comigo porque eu nunca contei. Quando ele mexia comigo, eu não sabia o que estava acontecendo. Mas sabia que não era certo. O problema é que eu tinha medo [de contar]”, admite.

“Ela foi presa injustamente. Tinha essa certeza em mim, mas só me acalmei quando o defensor me mostrou o vídeo do meu depoimento e vi que realmente não tinha dito nada contra ela. Eu era tão jovem quando aconteceu! Tinha só 12 anos e, quase dez anos depois, quando ela foi presa, não lembrava exatamente o que eu tinha falado. Ver o vídeo foi a confirmação de que nenhuma palavra que saiu da minha boca condenou minha mãe. Então, eu tinha que lutar por ela”, reforça a jovem.

Nos 946 dias nos quais Edilene ficou na Unidade Prisional Feminina (UPF) Desembargadora Aury Moura Costa, em Itaitinga, Região Metropolitana de Fortaleza, a filha não a abandonou em nenhum momento. Fazia visitas quinzenais. Chegou a levar o filho, de apenas dois anos, a tiracolo. E atravessava o Estado, pois à época morava em Juazeiro do Norte, no Cariri cearense. Enfrentava, portanto, até dez horas de ônibus só para ver a mãe, encorajá-la de que, no fim, tudo daria certo e a família se reuniria novamente para ressignificar o trauma daquela antevéspera natalina.

Para não desistir, a garota inspirou-se no exemplo da própria mãe, de quem criou os cinco filhos sozinha, na resiliência de quem precisa sobreviver. “A primeira visita no presídio foi muito, muito traumática. Ver minha mãe naquele lugar, as algemas, a humilhação que passei pra entrar, ela cabisbaixa… Viver tudo aquilo me deu mais certeza de que precisava tirar ela daquele sofrimento. Era sempre uma dor. Mas eu não podia desistir. Não tinha essa opção. Por isso, escrevi cartas com tanta fé e esperança. Eu realmente acreditava que a justiça ia ser feita”, acrescenta a garota.

Ao ver Edilene hoje inocentada, trabalhando e com a vida acontecendo distante de onde tudo se passou, a filha sente ainda mais orgulho da mãe. “Ela é tudo pra mim! Então, agora, é só alegria. A saudade que eu sentia dela quando ela estava na prisão virou uma sensação de coração quentinho, sabe? Ela cuida da gente. É bom ter ela de volta”, celebra a jovem.