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“A memória deve ser colhida com o mesmo cuidado que se colhe uma digital”

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Temas importantes para quem trabalha com Direito Criminal, a psicologia do testemunho e o fenômeno das falsas memórias pautaram a edição dessa quarta-feira (10/6) do #NaPausa, programa de conversas e debates ao vivo promovido pela Escola Superior da Defensoria Pública (ESDP) em parceria com a Associação de Defensores Públicos do Ceará (Adpec).

Transmitida pelo perfil da Defensoria Pública do Estado (DPCE) no Instagram (@defensoriaceara), a live foi conduzida pela defensora Lara Fonteles, que recebeu o pós-doutor em Psicologia e doutor em Ciências Criminais, professor Gustavo Noronha de Ávila, uma das referências nacionais no assunto.

“Quando se fala em falsa memória, muita gente pensa que a gente está inventando argumento. Depois, quando nos ouvem, até entendem. Existe um preconceito. Mas há experiências práticas de que as falsas memórias não são contos da carochinha. Já aprendemos várias coisas e o Brasil ainda faz muito diferente de outros lugares. A gente se depara aqui com reconhecimentos de acusados sem que se tenha acesso nem à foto. Já me deparei com cego de nascença dizendo na Delegacia que viu crime acontecer. Práticas erradas acontecem e a gente vai confiar? A gente trabalha no presente tentando reconstruir o passado”, pontuou a defensora.

Gustavo defendeu que falsas memórias devem sim ser pontuadas em processos criminais, mas que não devem ser um argumento banalizado. “Porque senão tudo passa a ser falsa memória e, por isso, no fim das contas, nada é falsa memória. E falsa memória é uma distorção da memória. É uma lembrança de algo que nunca aconteceu. Pode ser fruto de influência externa, por repetição de perguntas ou pela maneira como as perguntas são colocadas para a testemunha, ou por questões internas do indivíduo, que interpreta o fato de maneira errada mesmo”, elucidou.

Conforme o pesquisador, a chance de uma testemunha recobrar informações do crime é próximo de 100% quando ela é arguida logo após o evento. Se o testemunho for tomado 30 dias depois ou mais, esse índice cai para apenas 20%. Os estudos de falsas memórias não são de agora. Datam dos anos de 1960.

Em tribunais progressistas, como é o caso do Rio Grande do Sul, estado onde Gustavo implementou pesquisa sobre o tema, essa linha de argumentação é mais comumente citada. “E é preciso atenção porque elas [as falsas memórias] podem provocar um efeito colateral de injustiça complicado, culpando um inocente e mantendo crível uma pessoa que deveria ser responsabilizada e não será. Psicologia do testemunho é algo que deveria preocupar a todos”, frisou o estudioso.

Após analisar quase 100 casos e aprofundar avaliação em dez oitivas ocorridas no Rio Grande do Sul, o pós-doutor constatou a inexistência de protocolos ou roteiros de entrevistas de testemunhas. Segundo ele, isso é prejudicial ao andamento dos processos e precisa mudar.

Além dessa padronização de abordagens, Gustavo Noronha de Ávila defendeu que os depoimentos no Brasil passem a ser gravados, a exemplo do que ocorre em outros países. “A maneira como eu estava emocionalmente [no depoimento] vai influenciar a memória que eu tenho do fato. E a memória deve ser colhida com o mesmo cuidado que a gente colhe uma digital. Porque são entrevistas que podem trazer informações equivocadas. Além da gravação oficial, creio que poderia haver uma gravação independente. Eu, como advogado criminalista, gravaria do meu celular também, até pra evitar qualquer edição pra prejudicar essa prova. Existe um campo a ser explorado nesse tema. E vocês, da Defensoria, vão ser fundamentais pra criar essa nova jurisprudência”, declarou o pesquisador.

A próxima edição do #NaPausa será nesta sexta-feira (12/6). A transmissão será feita pelo perfil @adpec, no Instagram, às 15 horas, e terá como tema “Direito à cidade: memória e afetos”. Trata-se da continuação de um debate iniciado dias atrás pelo defensor público Eliton Meneses e pela curadora do projeto Cidade Portátil, a jornalista Izabel Gurgel.

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