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Adoção de grupo de irmãos: a escolha de se agigantar pelo amor

Adoção de grupo de irmãos: a escolha de se agigantar pelo amor

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Quando desembarcaram no Ceará, em 2007, Ronaldo e Adriana Alves nem imaginavam que voltariam para o Rio de Janeiro quase 13 anos depois com a família – então só eles e duas filhas – o dobro do tamanho. A missão religiosa rendeu ao casal mais malas, por óbvio, dada a quantidade de passageiros no retorno à cidade natal, mas principalmente a experiência de se agigantar pelo amor. E o mais bonito deles: o da escolha.

Já pai e mãe de Laila e Laisa, os missionários tornaram-se abrigo também para Yan, Yasmin e Alessa, irmãos biológicos adotados e reunidos em tempos distintos. O primogênito, hoje com nove anos, chegou ao casal pequenininho; tinha dias de nascido. A do meio – agora com cinco anos – também entrou na vida deles ainda bebê. E a caçula (atualmente com um ano e meio) era um corpinho de três meses no dia em que lhes foi entregue.

Olhos e sentimentos se cruzaram, certezas nasceram e o casal descobriu, já com a vida corrida bons anos, um jeito novo de parir. Parir pelos afetos. Os três. Alessa foi o amor mais recente dado à luz. Em junho deste ano, Ronaldo e Adriana ganharam a guarda provisória da menina após um ano de convivência. Em meio a uma pandemia que tem arrancado vidas de lares em todo o mundo, eles receberam uma certeza de futuro.

E Adriana constatou o quanto a maternidade é uma inteligência. “Deus colocou no nosso coração de adotar e a gente entrou na fila [Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento]. Formalizamos tudo. Nós não tínhamos a intenção de serem três irmãos. Poderiam ser crianças de famílias diferentes. Mas, quando aconteceu, nós não queríamos separar. Todas as vezes, a gente pediu a opinião das outras filhas [Laila e Laisa]. Elas amam os irmãos”, recorda a dona de casa, hoje com 52 anos.

Aos 58, Ronaldo sabe bem o que quer pros três novos herdeiros. “Meu projeto de vida é fazer com que essas crianças estudem, que se formem e tenham um futuro melhor do que a vida tinha reservado pra elas, que já têm oportunidades que minhas duas primeiras filhas não tiveram. São tempos diferentes e a gente busca que eles aproveitem isso. Tô dando minha contribuição. A gente vai corrigindo e administrando”, sentencia.

Ronaldo e Alessa, a filha caçula, de um ano e quatro meses, cuja guarda foi concedida em junho desse ano

O aposentado entende que, se tivesse o destino seguido o rumo de os três ficarem com a mãe biológica, as chances de Yan, Yasmin e Alessa seriam diminutas. Os três pertenciam a um lar desestruturado e permeado de dependência química, abandono e violências. Com um agravante: sem parentes próximos em condições de oferecer uma retaguarda. Um cenário de esgotamento total dos recursos para manutenção deles no que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) classifica como “família natural ou extensa.”

O contexto de negligência foi o mesmo nos três casos. A diferença de anos entre uma adoção e outra, todas acompanhadas pela Defensoria Pública do Estado (DPCE) e feitas conforme determina a legislação, praticamente não alterou as vulnerabilidades às quais cada um dos irmãos foi exposto. Tanto que na audiência para definir a guarda de Alessa a própria mãe biológica admitiu a impossibilidade de cuidar de uma bebê.

“Esse tipo de adoção de três irmãos em tempos tão distintos, mesmo que ainda sendo bebês não é comum. Nada comum. Em geral, os pretendentes buscam adotar apenas uma criança. Casos de adoção de grupos de irmãos são raros”, detalha o defensor público Adriano Leitinho, titular da 3ª Vara da Infância e Juventude de Fortaleza, onde tramitam os processos de adoção da capital.

As crianças vivem agora onde se conjuga o verbo esperançar. É consequência do amor, a esperança. E é nela que todos fiam dias muito próximos nos quais seu Ronaldo terá a saúde reestabelecida. “Estou fazendo tratamento. Fiz algumas cirurgias e aguardo uma decisão dos médicos. A rotina agora é toda com a família”, deseja o patriarca.

As datas de chegada dos filhos, paridos dos afetos do coração do casal, ele tem todas de cor. Nascimento, guarda provisória, guarda definitiva, internações, tudo. Sabe certinho, hora, dia, mês e ano, quando cada um aportou e transformou a casa, seja em Fortaleza ou no Rio de Janeiro, num lugar onde é possível sonhar e ser feliz. Porque todos escolheram ser assim. A felicidade é, antes de tudo, uma decisão.

“A vontade de adotar era tão grande que quando adotamos o Yan até leite minha esposa gerou. Ela amamentou ele. A gente carregava ele o dia todo, pra ele sentir o coração dela e o meu. Isso ajudou muito na recuperação dele, que nasceu com várias enfermidades. Antes de vir pra nossa casa, ele ficou internado em alto risco do Hospital Geral de Fortaleza. Chegar em casa com ele foi um momento muito especial, como também foi quando as meninas entraram na nossa vida. Peço que papai do céu nos capacite pra gente dar o melhor pra eles a cada ano”, sintetiza Ronaldo.

DESEJA ADOTAR? SAIBA COMO
Para ser considerado apto a adotar, você precisa ter no mínimo 18 anos e pelo menos 16 anos de diferença em relação à criança ou ao adolescente que será acolhida. Não há exigência no tocante ao estado civil ou à sexualidade. Ou seja: pessoas solteiras e homoafetivas também podem se habilitar à adoção.

Todo o processo é gratuito e tramita nas varas da Infância e Juventude. O primeiro passo, portanto, é você procurar o Fórum/Vara da sua cidade ou mais próximo de onde mora. É necessário levar: cópias autenticadas da certidão de nascimento/casamento ou declaração relativa ao período de união estável; cópia do RG; cópia do CPF; comprovante de residência; comprovante de renda; atestados de sanidade física e mental; certidão negativa de distribuição cível e certidão de antecedentes criminais.

Outros documentos podem ser solicitados e todos são analisados, autuados pelo cartório e remetidos ao Ministério Público do Estado (MPCE) para averiguação. Em seguida, o candidato é avaliado por uma equipe multidisciplinar do Poder Judiciário. Os técnicos estudam motivações, expectativas, realidade sociofamiliar e outros aspectos.

O candidato é obrigado a participar de um programa de preparação. Esse é um dispositivo previsto no ECA que, conforme detalha o CNJ, “pretende oferecer o efetivo conhecimento sobre adoção, tanto do ponto de vista jurídico quanto psicossocial; preparar os pretendentes para superar possíveis dificuldades que possam haver durante a convivência inicial; orientar e estimular a adoção interracial de crianças/adolescentes com deficiência, doenças crônicas ou com necessidades específicas de saúde, e de grupos de irmãos.”

Outras etapas da adoção são: análise do requerimento pelo juiz, ingresso no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, busca de família para criança/adolescente, construção de novas relações (aproximação entre as partes) e a instituição propriamente dita de uma nova família.

“Quem pretende adotar deve ter em mente que o processo é sério, tem critérios, até para resguardar a integridade física e moral da criança ou do adolescente em questão, e, ao fim, vai mudar completamente a vida de todos. É algo com impacto definitivo. E isso envolve também questões afetivas. Por isso que todas as etapas do processo até a adoção em si são importantes e precisam ser encaradas com seriedade. Da adoção, a gente pode dizer que nascem não só filhos. Nascem também uma mãe, um pai, irmãos, tios, uma família inteira. Nasce um futuro”, pontua a supervisora do Núcleo de Defesa da Infância e da Juventude (Nadij) da DPCE, defensora Julliana Andrade.

Yan, de nove anos, e Yasmin, de cinco anos