Posso ajudar?
Posso ajudar?

Site da Defensoria Pública do Estado do Ceará

conteúdo

Crianças com TEA: um debate sobre guarda e os cuidados no processo de separação dos pais

Crianças com TEA: um debate sobre guarda e os cuidados no processo de separação dos pais

Publicado em

Estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU), o mês de abril é marcado pela conscientização sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA). No Brasil, estima-se que exista cerca de dois milhões de crianças com TEA e uma das questões que pouco se vê em debate é como conduzir a separação de pais para os filhos com TEA. A Defensoria traz luz ao debate para auxiliar quem passa pela situação.   

O divórcio, em si, já é um rito que gera frustrações, angústias e receios, especialmente quando envolve criança(s). A nova realidade imposta a todos pode vir a ser um problema para crianças com TEA, o que exige atenção e cuidados redobrados. Para a supervisora do setor psicossocial da Defensoria, a psicóloga Andreya Arruda Amêndola, é preciso atenção nesta etapa.

‘’Toda criança ou adolescente que passa pelo processo de separação dos pais, querendo ou não, tem um novo processo de readaptação. No caso da criança com o espectro autista, é preciso ter sensibilidade e cuidados ao limites em que essa criança seja apresentada nesta readaptação. O processo dessa nova configuração familiar, após o divórcio, tem que ser visto como uma construção, colocando como prioridade o respeito à criança, sempre pensando na regulamentação de convivência baseada nos interesses das crianças. É muito importante contar com um apoio profissional nessas horas para que todos os lados sejam trabalhados e o ambiente fique o mais saudável possível’’, afirma. 

 Quando existem filhos na relação, é definida a guarda que pode ser unilateral, onde a criança fica com um dos genitores,e a guarda compartilhada, onde se divide por completo as responsabilidades e inclusive, as rotinas das duas novas casas ou alternada, onde por períodos a criança varia de lar, ficando com um dos genitores. Para o defensor público Sérgio Luís Hollanda, supervisor das Defensorias de Família em Fortaleza, no caso das crianças com TEA, a condição precisa ser conferida individualmente, já que a guarda compartilhada é a regra dos tribunais, mas a regulamentação de convivência é baseada, prioritariamente, no melhor interesse da criança

‘’No contexto do autismo, a separação vai exigir dos pais uma responsabilidade maior no que diz respeito às necessidades da criança, por isso mesmo é importante que esse conflito seja resolvido da melhor maneira possível. Hoje, as leis que regem o divórcio procuram priorizar, principalmente, os direitos da criança em questão, seja nas questões de pensão alimentícia e até mesmo nas questões psicológicas. Quando conseguimos mediar um acordo entre esses pais, a opção da guarda compartilhada é priorizada, uma vez que os dois têm direitos e responsabilidades junto a essa criança. Agora, quando não conseguimos um acordo ou os pais possuem uma relação conflituosa, para não colocarmos a integridade dessa criança em risco , a lei sugere que a guarda unilateral  seja estabelecida, deixando-a no ambiente mais saudável e favorável para o seu desenvolvimento ”, frisou o supervisor. 

Para as crianças com espectro autista, a necessidade de uma rotina inalterada pode ser essencial para a sua qualidade de vida, pois a simples quebra deste cotidiano pode acarretar em efeitos prejudiciais à interação social e aumento do seu isolamento.  Para isso, é essencial que os pais busquem profissionais com experiência específica sobre o tema, visando auxiliar na construção da nova rotina e de hábitos saudáveis ao desenvolvimento da criança com TEA. 

A assistente social Nathalia Gurgel, que trabalha com autistas em seu cotidiano, comenta que o mais comum na questão do divórcio do casal, tendo em vista as limitações e dificuldades da criança, são as saídas de lazer, já que a condição de TEA implica também e principalmente na socialização desse sujeito com outros, de modo geral. “A separação é algo muito comum hoje em dia nas famílias, porém nas famílias em que se tem uma criança autista envolvida, é preciso ter um cuidado durante esse processo para que não haja prejuízos psicológicos. Se o casal já possui uma rotina com esse filho, é muito importante que ela seja mantida: os locais de passeio, a casa que mora, tudo isso para que essa mudança não seja um fator que possa gerar prejuízos futuros na socialização dela”, explicou.    

Mesmo com a guarda compartilhada sendo a opção mais indicada,  por vezes ela pode gerar a não adaptação da criança à nova rotina e os desafios diários como a questão dos acompanhamentos multidisciplinares que são rotina de quem tem TEA. A defensora titular da 13a Vara de Família, Michele Camelo, sugere que para que esse processo de adaptação à nova vida familiar dos pais seja feito da melhor forma, além do acompanhamento profissional qualificado, a família encontre em conjunto uma rotina que se adeque às necessidades da criança. Para ela, “a guarda deve ser pautada na responsabilidade, cuidado e no respeito às peculiaridades dessa criança e do adolescente”.

“Quando tratamos de crianças e adolescentes com necessidades especiais – e uma das possibilidades é o espectro do autismo – as especificidades dessa criança devem ser consideradas e preservadas. É sabido que a rotina deve ser mantida, definir quais são os dias que a criança vai estar com cada genitor, qual vai ser o domicílio fixado como residência para essa criança ou adolescente. A partir daí, essa transformação que naturalmente vai acontecer em razão da separação entre o casal e isso passa a ser sentido de uma forma mais leve”. 

Além disso, a defensora frisa que a fixação da pensão também precisa levar em conta a rotina de tratamento dessa criança. “Quanto à pensão alimentícia, é importante que se diga que ela deve atender aos interesses das crianças e adolescentes, diante da possibilidade de quem paga, e não na proporcionalidade entre o que se paga e o que se recebe. Caso essa criança ou adolescente tenha necessidades de receber tratamentos extras, como por exemplo, terapeuta  ocupacional, fonoaudiólogo, fisioterapeuta etc, isso implicará em uma necessidade orçamentária maior para a manutenção dessa criança. Então a pensão alimentícia pode sim ser em valor maior em razão dessa necessidade”, frisa Michele Camelo. 

Em Sobral –  O projeto Laços de Família, em Sobral, participou II Semana Municipal de Conscientização sobre o Transtorno do Espectro Autista e  promoveu a exposição fotográfica “Diferente é o mundo que pintamos”, onde foram mostradas fotos de crianças autistas desenhando e suas respectivas obras de arte. O evento contou com a participação das mães das crianças atendidas pelo projeto e dos idealizadores do projeto    

A assistente social e professora Claudia Santos percebeu a importância da temática no curso do projeto. ‘’Nos últimos meses, começaram a chegar um grande número de demandas para a gente de divórcio, onde no momento da mediação, identificamos que tinha uma criança autista na constituição dessa família. Todos nós sabemos que, em um processo de separação, sem dúvidas, a criança também sofre. Mas, no caso das crianças autistas, esse é um assunto que precisa ser tratado com ainda maior cuidado”, comentou Cláudia.  

O defensor público de Sobral, David Gomes Pontes, firmou parceria com a Associação de Mães de Criança Autistas. “Durante o processo de divórcio, além da atuação dos mediadores na condição do processo de separação, temos também a participação dos psicólogos e do assistente social  atuando junto a essas famílias nesse momento de ruptura. Nos casos das separações em que envolvam crianças com espectro autista , o nosso serviço social consegue oferecer um apoio na acessibilidade dos serviços básicos para essa criança, como de saúde, bem como a busca de benefícios junto a órgãos públicos, como o INSS’’, informa.