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Defensoria entra com agravo contra expedição de mandados de busca e apreensão coletivo em Fortaleza

Defensoria entra com agravo contra expedição de mandados de busca e apreensão coletivo em Fortaleza

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A Defensoria Pública do Estado do Ceará (DPCE) recorreu e agravou o pedido de habeas corpus que visa frear uma prática inconstitucional: um mandado de busca e apreensão coletivo. O caso em questão aconteceu na última quinta-feira (16) e foi cumprido pela Polícia Civil do Ceará (PCCE) no Residencial Dona Yolanda Queiroz, em Fortaleza. Batizada de Pente Fino, a operação contou com a participação de cerca de 300 policiais em vistorias em 1.100 domicílios do conjunto habitacional.

O habeas corpus foi impetrado pelo Núcleo de Assistência aos Presos Provisórios e às Vítimas de Violência (Nuapp) e assinado defensor público Jorge Bheron da Rocha, por entender que a ação é inconstitucional e se trata de “criminalização da pobreza”. Na peça justifica que “a jurisprudência e a doutrina alertam que a expedição do mandado de busca domiciliar genérico produz inúmeros efeitos irreparáveis na vida dos cidadãos, à unanimidade de localidades humildes, como violações da personalidade, liberdade, privacidade, imagem, honra, igualdade, bem como trazendo tratamento desumano, cruel e discriminatório, havendo nítida transmissão da responsabilidade penal de uma pessoa a outras e por tais razões, as prisões e procedimentos dali resultantes podem ser qualificadas, no mínimo, como inconstitucionais, ilegais e arbitrárias”.

O Tribunal de Justiça do Ceará indeferiu a liminar e a Defensoria interpôs agravo de instrumento. “Segundo a decisão judicial que indeferiu o HC não teria identificado quem teria sido preso ou que havia sido apreendido, mas a ordem de busca e apreensão de forma indiscriminada e genérica ofende os direitos fundamentais individuais, inclusive, de quem nenhuma relação tinha com os suspeitos ou com qualquer prática ilícita, pois é um universo de mais de mil pessoas”, destaca a defensora pública Ana Cristina Teixeira Barreto, titular da 5a Defensoria Criminal do Segundo Grau de Jurisdição, responsável pelo agravo.

Com o agravo, a Defensoria Pública pede revogação da decisão de 1a instância com salvo-conduto aos moradores e devolução dos pertences e equipamentos apreendidos e o relaxamento da prisão e alvará de soltura, caso haja, com base no artigo o 5º, inciso XI, da Constituição Federal que estabelece a casa como “asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”. Por esse motivo, mandados de busca e apreensão coletivos são ilegais, pois caracterizam “ofensa ao direito fundamental à inviolabilidade do domicílio” e “constrangimento ilegal”.

De acordo com a Defensoria, os moradores do residencial têm direito à privacidade, propriedade, liberdade e segurança individual – e que o mesmo deve ser preservado. “A ação ofende a garantia constitucional que protege o domicílio da pessoa humana e as disposições do Código de Processo Penal brasileiro a respeito da expedição de mandados de busca e apreensão domiciliar, além disso o ato viola o dever de fundamentação das decisões judiciais”. Para ela não é possível sacrificar ainda mais as pessoas que, por exclusão social, moram em comunidades carentes, sujeitando-as a terem a intimidade de seus lares invadida por forças policiais sem quaisquer cometimento de crime ou atividade ilícita. “É criminalização da pobreza e ampliação das vulnerabilidades”, atesta.

Precedentes – Em 2019, a Sexta Turma Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou ilegal a decisão judicial que autorizou busca e apreensão coletiva em residências, feita de forma genérica e indiscriminada, nas comunidades de Jacarezinho e no Conjunto Habitacional Morar Carioca, no Rio de Janeiro. Como o caso de Fortaleza, sem identificar o nome de investigados e os endereços a serem objeto da abordagem policial, a ordem judicial em primeira instância autorizava essa revista coletiva.

O relator do habeas corpus coletivo, ministro Sebastião Reis Júnior, reconheceu, inicialmente, que a jurisprudência consolidada no STJ não admite a impetração de habeas corpus coletivo sem a indicação de nomes e da situação individual de cada paciente. Ele declarou que a ausência de individualização das medidas de busca e apreensão contraria diversos dispositivos legais, como os artigos 240, 242, 244, 245, 248 e 249 do Código de Processo Penal, bem como o artigo 5°, XI, da Constituição Federal, que traz como direito fundamental a inviolabilidade do domicílio. “Reitero, portanto, o meu entendimento de que não é possível a concessão de ordem indiscriminada de busca e apreensão para a entrada da polícia em qualquer residência. A carta branca à polícia é inadmissível, devendo-se respeitar os direitos individuais. A suspeita de que na comunidade existam criminosos e que crimes estejam sendo praticados diariamente, por si só, não autoriza que toda e qualquer residência do local seja objeto de busca e apreensão”, disse em voto.

Com o habeas corpus, concedido de forma unânime, a Sexta Turma anulou a decisão que decretou a busca e apreensão coletiva – o que afeta eventuais provas e ações penais decorrentes das diligências.