
Defensoria mostra preocupação de aprovação do PL que prevê penhora do único imóvel da pessoa
A Câmara dos Deputados aprovou no início do mês a proposta que permite a bancos e instituições financeiras a penhora do único imóvel de uma família para quitar dívidas. A medida está prevista no Projeto de Lei nº 4188/2021, que cria o marco legal das garantias de empréstimos e altera a Lei nº 8.009/1990, a qual trata da impenhorabilidade de imóvel. Aprovado com 260 votos, o texto seguiu para apreciação do Senado.
A legislação atual diz que o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável, salvo exceções, como a execução de ‘hipoteca’ sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar. O projeto altera essa redação, que passa a permitir a penhora sobre “imóvel oferecido como garantia real, independentemente da obrigação garantida ou da destinação dos recursos obtidos, mesmo quando a dívida for de terceiro”.
Infelizmente, a proposta não condiz com o atual cenário socioeconômico dos brasileiros, onde o índice de endividamento do brasileiro é muito alto e muitas pessoas deixaram de honrar parcelas – que antes cabiam no orçamento. Defensoras e defensores defendem que a impenhorabilidade do único imóvel de uma família é essencial, sobretudo neste momento, visto que a consequência de uma decisão desta poderá aumentar o número de pessoas sem moradia.
A defensora pública e supervisora do Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon), Amélia Rocha acredita que a aprovação do PL pode pode ocasionar o aumento da desigualdade no país. “O risco de retrocesso é absurdo, pois se está retirando uma garantia inerente ao direito à moradia, que subtraído pode trazer vários danos pessoais, familiares e comunitários. Além disso, há a previsão de um mesmo imóvel servir de garantia para várias dívidas, em estímulo ao superendividamento, o que é uma grande incoerência diante da Lei 14.181/2021. A inadimplência de apenas uma das dívidas pode levar ao vencimento antecipado de todas e a perda, ainda mais rápida, do imóvel,”comentou a defensora.
Ela completa dizendo que esse PL pode ser um estímulo para o superendividamento. “Esperamos, sinceramente, que o Senado não aprove este projeto que traz tantos malefícios: além de estimular o superendividamento, permite aumentar o número de pessoas sem teto, num prejuízo grave individual e coletivo que pode redundar até mesmo em maior insegurança pública. Caso seja aprovado, há a possibilidade de questionamento de sua constitucionalidade, bem como denúncia aos Tribunais Internacionais por violar direitos contidos em pactos internacionais assinados pelo Brasil,”complementa.
A defensora pública Nathalia de Riccio, que tem atuação na 2a Defensoria Cível de Horizonte, concorda que esse novo projeto de lei pode gerar um efeito dominó na economia e na vida das famílias. “Esse novo projeto de lei trará consequências nefastas para a vida da população, pois essa autorização da perda do único bem de uma família ocasionará o aumento da desigualdade no país e isso afronta diretamente o direito à moradia previsto na Constituição Federal”, lamenta. Ela acredita que é preciso um outro olhar para o endividamento dos brasileiros. “Existe um levantamento de que grande parte das famílias que têm financiamento bancário em relação à casa estão com dívidas. Então, a gente já vê com preocupação o crescimento deste endividamento no Brasil. Esta aprovação trará um efeito dominó com o aumento sem precedentes de pessoas sem casa para morar e que não terão condições de pagar um aluguel” disse a defensora.
Segundo o levantamento divulgado pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), 77,4% das famílias relatam ter dívidas a vencer no mês de maio. A proporção de endividados, avançou 9,8% na comparação com o mesmo mês em 2021. Há dez anos, o percentual de famílias endividadas era de 55,9%. Do total de endividados, 22,2% precisaram de mais de 50% da renda para pagar dívidas com bancos e financeiras, proporção mais elevada desde dezembro de 2017. Conforme a pesquisa, a dificuldade em honrar as dívidas é influenciada, entre outros fatores, pela inflação alta.
Veja o que muda caso o PL seja aprovado no Senado:
1 – Os bancos e as instituições financeiras poderão penhorar o único imóvel de uma família para quitar dívidas.
2 – Essas regras também valerão nos casos de dívidas de terceiros, como no caso de um pai que usou sua casa como garantia para uma dívida do filho.
3 – Ficaram de fora do PL, os imóveis rurais oferecidos como garantia real de operações rurais.
4 – As pessoas físicas ou jurídicas interessadas em tomar empréstimo junto aos bancos deverão antes firmar um contrato com uma das instituições gestoras de garantia (IGG). Ao IGG deverão apresentar a lista dos bens que pretendem dar em garantia. Será a IGG que avaliará o valor e os riscos e também definirá o valor máximo do empréstimo.