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Defensoria Pública acompanha cadastro de famílias residentes em ocupação em frente ao Aeroporto Pinto Martins

Defensoria Pública acompanha cadastro de famílias residentes em ocupação em frente ao Aeroporto Pinto Martins

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Com a crise econômica e social provocada pela pandemia do coronavírus, o fim de políticas sociais, o aumento do desemprego e da miséria, estima-se que o déficit habitacional ultrapasse (e muito) as 5,8 milhões de moradias projetadas, em 2019. Sem ter onde morar, muitas pessoas ocuparam os terrenos desocupados e passaram a exigir do poder público  atenção e mais políticas de habitação de interesse social.

É essa a situação de mais de 100 famílias que ocupam um terreno localizado em frente ao Aeroporto Internacional de Fortaleza. Batizada por elas mesmos de Vitimas da Covid-19, há contra a comunidade uma liminar em um processo de reintegração de posse. A Defensoria Pública do Estado do Ceará (DPCE) vem realizando diversas tratativas para evitar que as famílias fiquem desamparadas.

Na manhã desta quinta-feira (9/6), quatro defensores públicos estiveram no local acompanhando as atividades dos profissionais da Secretaria Municipal do Desenvolvimento Habitacional (Habitafor), oferecendo a assistência jurídica necessária. Os defensores acompanharam o cadastramento populacional, determinado pelo juiz Zanilton Batista de Medeiros, da 39a Vara Cível, onde tramita o processo de reintegração de posse. Segundo a decisão, o magistrado determinou a suspensão do cumprimento da liminar até a finalização do cadastro pela Habitafor e que seja informado o encaminhamento dado em cada caso.  Participaram da ação os defensores públicos José Lino Fonteles, Camila Vieira, Leandro Bessa e Lia Felismino.

Durante toda a manhã, os defensores públicos atenderam a comunidade na Van de Direitos. O equipamento ficou estacionado e as pessoas puderam expor suas situações. O Habitafor esteve no local com 12 técnicos, além de dois oficiais de justiça, escoltados pela Polícia Militar, que cadastraram mais de cem famílias ali. As famílias ainda reclamaram da falta de aviso da ação, pois muitas estavam em seus trabalhos e não puderam comparecer ao cadastramento.

A moradora da ocupação Cleuza Cilene Batista Leite, 50 anos, está na ocupação com os três filhos, duas delas, Raquel e Karina, que também ajudam na mobilização das mulheres que batalham por moradia digna. “Desde o começo tô aqui. Eu vim parar aqui, porque eu trabalhava de camareira e aí teve a pandemia, né? Cheguei aqui com as minhas filhas, porque estou desempregada, tava morando em aluguel, pagava R$ 500. Hoje moro aqui, minha barraquinha é feita de carpete, assim ao redor, e eu não recebo benefício nenhum do governo. Às vezes a gente dorme chorando e rezando por uma ajuda. Meu sonho é ajudar meus filhos e ter uma casinha. Não é pedir muito, ne?”, desabafa. 

A realidade de Cleuza é a das mais de 100 pessoas ali. A maioria desempregadas ou empregos precários como catador de materiais recicláveis ou vivendo de bicos. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que, até junho de 2022, os despejos e remoções urbanos e rurais fiquem suspensos em razão da pandemia. 

“E o que fazer agora?” A pergunta ronda a cabeça de Maria Genivânia Pinheiro, de 31 anos. Desempregada e grávida do quarto filho, mora em um barraco de lona com as três filhas de 12, 6 e 4 anos de idade. “Estou aqui porque preciso. Não tenho onde morar. Claro que eu não queria essa situação para os meus filhos. Meu bebê vai nascer e vai morar aqui, dentro da lama. Nessas condições que a senhora tá vendo. Mas o que eu posso fazer?”

Ex dona de restaurante, nas redondezas, Karlene Santos Bezerra Cardoso, 35 anos, viu sua vida sumir com a chegada da pandemia. “Eu tinha um restaurante, desde 2010, aqui nessa mesma rua, pagava R$ 700 reais e morava na casa. Veio a pandemia e o governador deu a ordem para fechar tudo, né? Eu pagava aluguel na casa, acabei entregando a casa e vim morar aqui com meu esposo e meu filho. Hoje eu sonho em ter minha casa própria e não voltar nunca mais pro aluguel. Aqui seria um espaço muito bom, se o Governo olhasse pra gente, eu poderia até a voltar a ter meu ponto, um restaurante. Hoje eu acordo e durmo nessa luta das mulheres, a luta pra ter casa”

Outra moradora da ocupação é Rosangela Marques de Sousa, 39 anos. Ela está desempregada e mora no barraco com os filhos de 19 e 15 anos. O lote é pequeno, tem aproximadamente quatro por dois metros, é coberto por uma lona preta, dentro é quente e a família se amontoa para viver. Os móveis são de doação ou recolhidos nas ruas da cidade. “Estou aqui porque sou doente, tenho um problema nos rins,  não consigo trabalhar e vivo aqui porque como da comida que distribuem na cozinha comunitária. Tomara que esse movimento que estão fazendo aqui  mude a nossa realidade”.

 

“Sempre atuamos com mediação nos conflitos coletivos e acompanhamos situações como essa. A pandemia do novo coronavírus escancarou ainda mais as vulnerabilidades e é uma conta que não fecha. São famílias inteiras nas ruas, debaixo dos viadutos, em moradias irregulares e sem condições de habitação, mas que não têm para onde ir e nem há políticas públicas suficientes que abarquem o problema. Sabemos que há um problema relacionado à habitação, essas pessoas existem e precisam ser  acolhidas”, destacou o defensor público José Lino  Fonteles, supervisor do Núcleo de Habitação e Moradia.

A falta de moradia desencadeia uma série de violações de direitos. Segundo dados do Escritório Frei Tito de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular (EFTA), em 15 de junho de 2020, quase 2.500 famílias encontravam-se ameaçadas de despejo no estado. Em 2021, esse número quase dobrou para 4.685 famílias.