Defensoria Pública debate feminicídio em audiência na Assembleia Legislativa
A Defensoria Pública Geral do Ceará (DPCE) participou nesta segunda-feira (28/11) de audiência na Assembleia Legislativa do Estado (Alece) que discutiu a prática de feminicídios contra adolescentes e mulheres. À frente da Rede Acolhe, iniciativa da DPCE que desde 2017 lida com Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI’s), a defensora Gina Kerlly Pontes Moura representou a instituição e alertou para a necessidade de se olhar a ocorrência do crime não apenas pelo prisma criminal, pois diversas questões decorrem dele.
Ela citou, por exemplo, a importância de serem implementadas políticas sociais e de saúde mental direcionadas aos familiares das vítimas. “A violência gera um impacto sobre a maternidade e faz com que a sociedade tenha filhos do feminicídio. E muitos desses crimes são cometidos na frente das crianças, que levam esse trauma pro resto da vida. É preciso uma política de transferência de renda para a família porque muitas vezes essa mulher que foi morta era a provedora do lar”, listou Gina Moura.
A defensora também falou sobre a tipificação do feminicídio, para que não se restrinja à autoridade policial e que outros órgãos o façam no decorrer da tramitação do processo. “Quando a situação está judicializada, pouco se inova. Temos que cobrar de todas as instituições do Sistema de Justiça esse olhar mais específico ao feminicídio”, acrescentou Gina.
Segundo o Fórum Cearense de Mulheres (FCM), 1.140 feminicídios foram cometidos entre 1º de janeiro de 2019 e 22 de novembro de 2022 no Estado. Em média, 70% desses crimes aconteceram com uso de armas de fogo. Eles ocorreram tanto em ambiente familiar e doméstico quanto fora dele (mas motivados por discriminação à condição de mulher).
“Nós temos um cenário de negação do feminicídio. Se não temos dados, é como se o fenômeno não existisse. A ausência de dados é um dado! Historicamente, a violência contra a mulher foi relegada ao âmbito privado. E não é! Tem um componente político muito forte”, afirmou a representante do FCM, advogada Rose Marques.
O deputado estadual Renato Roseno (PSol), autor do requerimento aprovado pela Alece que originou a audiência pública no Parlamento Estadual, reforçou a ausência de estatística da questão.
Segundo ele, o Estado tem comprovadamente uma subnotificação de casos. “Qualificar dados é o primeiro passo para combater violências. Queremos Delegacias de Defesa da Mulher fortalecidas e com real capacidade de intervenção”, frisou o parlamentar, enaltecendo a obrigatoriedade de toda cidade com mais de 60 mil habitantes dispor de uma DDM.
Representando a SSPDS, a delegada Eliana Maia Soares, que atua na defesa da mulher em Fortaleza, afirmou que a legislação brasileira para esse tipo de crime é uma das melhores do mundo, mas encontra problemas para a implementação. “A falta de efetivo da Polícia Civil, que é quem investiga os crimes, é complicada. Não vou ser hipócrita e dizer que a Delegacia da Mulher tem condições de investigar todos os crimes, porque não tem. Nós temos 60 policiais e a demanda é enorme.”
Ela alertou que todo feminicídio é precedido de outras violências, principalmente a psicológica. Segundo a delegada, por dia, a DDM de Fortaleza atende a uma média de 100 pessoas, com cerca de 70% registrando boletim de ocorrência. “Ao que parece, o Estado entende a violência doméstica como individual e como algo que não seria tão grave ou que seria um problema menor. E isso é um equívoco, porque uma criança que cresce vendo a mãe apanhar e o pai sendo agressivo vai normalizar a violência e tem tudo pra reproduzir essa violência”, finalizou.