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Defensoria solicita antecipação de julgamento e advogado é condenado por dois crimes de racismo: contra negros e LGBTs

Defensoria solicita antecipação de julgamento e advogado é condenado por dois crimes de racismo: contra negros e LGBTs

Publicado em
Texto: Bruno de Castro
Ilustração: Valdir Marte

Um advogado de Juazeiro do Norte, no Cariri cearense, foi condenado à prisão e pagamento de multa por insultos proferidos em um grupo de WhatsApp contra gays e mulheres negras. Previsto para acontecer somente em julho de 2025, o julgamento foi antecipado em 21 meses a pedido da Defensoria Pública do Estado (DPCE), que representa uma das vítimas dos ataques.

O réu, um homem idoso, foi condenado a dois anos, sete meses e 21 dias de reclusão em regime semiaberto. Além disso, será obrigado a pagar 56 dias-multa – ou o equivalente a R$ 2.635, considerando que o dia-multa corresponde a 1/30 do salário mínimo, hoje fixado em R$ 1.412. O valor vai todo para o Judiciário.

A DPCE atuou no processo por intermédio dos defensores Aluizio Jácome, Rafael Villar e Aníbal Azevedo. “Por lei, as audiências de instrução e julgamento devem acontecer em 40 dias. A depender da situação, esse prazo pode ser estendido. Como estávamos falando de mais de três anos entre o ato e a data para a qual a audiência havia sido marcada, solicitamos a antecipação e tivemos uma conclusão do Judiciário reafirmando a decisão do Supremo de que homofobia é racismo e punindo uma pessoa por isso, além do racismo em si contra pessoas negras. A sentença representa uma resposta do estado brasileiro a esse advogado, dizendo que o ato reprovável dele constitui crime”, sintetiza Aluizio Jácome.

O episódio aconteceu em 31 de julho de 2022, no grupo de WhatsApp “Resenhas do Futebol”. Após a manifestação política de um homem LGBT em favor do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República, o homem enviou nove áudios nos quais defende o assassinato de gays e diz, dentre outras manifestações de racismo, que “nego é tudo seboso”.  Ao ser confrontado pelo administrador do grupo, publicou vídeo na rede social Instagram reiterando as ofensas.

Sentindo-se ofendido pelas falas, a vítima I.S.A.S. procurou a assistência jurídica da DPCE, que endossou a denúncia oferecida pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) contra o advogado. À Justiça, o jovem revelou não conhecer o agressor e disse que ofensas já haviam sido proferidas em outras situações e que, mesmo diante do incômodo de vários membros do grupo, nunca houve qualquer retratação.

Já o acusado disse não lembrar do ocorrido. Alegou ser alcoólatra e negou que seja racista e homofóbico. O juiz Gustavo Henrique Cardoso Cavalcante, no entanto, compreendeu que os áudios comprovavam o cometimento dos crimes e acolheu, em novembro último, os argumentos da Defensoria e do MPCE, afirmando na sentença: “Os áudios demonstram gravíssimas manifestações homofóbicas e preconceituosas, mal-amparadas em juízos pré-concebidos e com o intento depreciar a essência da população LGBTQIA+ e das mulheres negras.”

O magistrado enalteceu que as manifestações do réu não se caracterizam como “liberdade de expressão”, pois “em nenhum momento visaram enriquecer qualquer debate jurídico travado naqueles dias, mas tão somente atingir, menosprezar e desumanizar duas distintas populações, historicamente discriminadas.”

Desde junho de 2019, o entendimento jurídico que se tem, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), é o de que homofobia e transfobia são consideradas práticas racistas. No caso do advogado, o juiz afirmou que: “esse juízo depreciativo é convicção discriminatória, arbitrária, estruturalmente absorvida e reproduzida, embebida de sentimento de superioridade do emissor – pois a certeza da própria superioridade é imprescindível ao ser preconceituoso.”

Para Gustavo Cavalcante, “o sentimento de supremacia do agressor implica sua incapacidade da harmônica convivência com o outro, tudo dissimulado sob as vestes de pretensa cultura, preferência política, suposta intelectualidade, pseudo-cientificidade, dentre outros elementos que, conectados ou não, conduzem à arrogância, ao radicalismo, à ortodoxia política e religiosa, ao ódio e, finalmente, à indiferença à vida humana.”

Além da ação criminal, agora julgada, o advogado responde a uma ação civil pública, essa ainda em curso e que pode resultar em indenização por danos morais às vítimas.