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Dia Mundial do Autismo. Escola para criança autista ainda é um desafio para sistema educacional

Dia Mundial do Autismo. Escola para criança autista ainda é um desafio para sistema educacional

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A Lei Brasileira de Inclusão possui mais de cem artigos, todos com um único objetivo: promover a igualdade de oportunidades, autonomia e acessibilidade. Assim, estabelece a obrigatoriedade de adoção de um projeto pedagógico que promova o atendimento educacional especializado, com o fornecimento de profissionais de apoio, proibindo, inclusive, as escolas particulares de cobrarem valores adicionais por esses serviços.

Prestes a completar 10 anos de idade, George é um garoto divertido, encantado com o mundo da imaginação, adora judô, tomar banho de piscina, brincar no parque e vive no maior chamego com o irmão mais velho, que, assim como a maioria das famílias, usa o amor como principal ferramenta para o crescimento. George possui Transtorno do Espectro Autista (TEA) e uma das principais bandeiras da família é garantir uma educação escolar inclusiva, direito que deve ser cumprido.

A mãe, Renata Fernandes, é uma das integrantes da Associação Fortaleza Azul e faz coro a uma legião de mães e pais de crianças com TEA que buscam a Justiça para assegurar, entre tantas outras demandas, o direito de uma educação inclusiva que atende às necessidades do aluno na escola. Renata lamenta a ausência de profissionais especializados para acompanhar o filho nas atividades escolares. A criança está no  4o ano do Ensino Fundamental I em uma escola da prefeitura de Fortaleza, localizada no bairro Engenheiro Luciano Cavalcante.

“Resolvemos contratar uma educação especializada para alfabetizá-lo e o colocamos na escola pública para não perder o vínculo da socialização. A escola onde meu filho estuda tem uma organização quanto ao cuidador de apoio, mas só isso não é suficiente. A gente não pode tratar a deficiência como todo igual. Do que adianta ter um profissional de apoio para levar ao banheiro, para auxiliar na alimentação, para poder acompanhar a criança quando ela quiser sair da sala, se eu não tenho o profissional de apoio pedagógico? O meu filho está lá dentro de sala de aula com o profissional de apoio, que serve para cuidar. Não educa, não pensa em um planejamento pedagógico para incluí-lo e provocar o crescimento e a evolução dele. Isso não tem”, lamenta a mãe.

família composta por 4 pessoas: a mãe, o pai, um filho mais velho, adolescente, e o filho mais novo, de 10 anos. Todos estão sorrindo e fazendo "Eu te amo", na Língua Brasileira de Sinais (Libras).

O clamor de Renata está previsto na Constituição Federal, que institui como dever do Estado o atendimento à educação especializada aos deficientes. No plano infraconstitucional, o comando é reproduzido pelo art. 54, inciso III, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Aos alunos que se enquadram dentro do espectro autista, ainda, há a lei 12.764/12, no parágrafo único do seu art. 3º, dispões sobre a necessidade do acompanhamento especializado. “Em casos de comprovada necessidade, a pessoa com transtorno do espectro autista incluída nas classes comuns de ensino regular, nos termos do inciso IV do art. 2º, terá direito a acompanhante especializado”. Ou seja, havendo a necessidade, a escola deve providenciar o professor de apoio para o aluno que dele necessita.

Atual supervisora do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas da Defensoria Pública do Estado do Ceará, a defensora pública Mariana Lobo instrui os pais e mães que possuem filhos com deficiência ou limitação de autonomia, que procurem a Secretaria de Educação solicitando os profissionais necessários e, em negativa, busquem a Defensoria para exercício dos direitos.

Atualmente, o Núcleo conta com uma profissional de psicopedagogia, que auxilia na conciliação entre as necessidades da criança apresentadas pela família e o que determina a lei. Neste ano de 2023, foram 26 solicitações de profissionais para acompanhar e auxiliar pedagogicamente crianças e adolescentes estudantes em escolas públicas.

“Algumas crianças com TEA precisam de uma pessoa que desenvolva a atenção, que as acalme, promovendo o aumento da tolerância quanto a questão da rotina da sala de aula. Existem muitas crianças que possuem sensibilidade a sons, a texturas, sensibilidade aos materiais utilizados em sala de aula. Então, o profissional de apoio vai fazer as adaptações em sala de aula, na hora da aula, mas não vai ensinar ao aluno, esse papel é do professor regente que elabora as atividades adaptadas para aquele aluno com deficiência. Assim, o profissional de apoio vai mediar, vai dar o suporte emocional, bem como de certa forma o suporte pedagógico. Cada criança tem suas necessidades, cada criança tem o melhor jeito de aprender. Então, é necessário criar uma certa tolerância daquele aluno em sala de aula”, pontua Ana Karla Vieira, psicóloga que atua no núcleo.

Assim, a família pode solicitar um assistente educacional, que é conhecido como o cuidador. Ele dá apoio com relação à higiene, alimentação, locomoção – aspectos com alterações em alunos com deficiência. Este profissional, normalmente, já está disponível na maioria das escolas públicas. O problema recai sobre os aspectos comunicação e interação social, dificuldades encontradas nas crianças com TEA e deficiência intelectual, os quais podem ser desenvolvidos por profissionais de apoio especializado em educação especial, em quantidade reduzida ou inexistente nas escolas.

“Este segundo profissional deve fazer a adaptação das tarefas para o professor aplicá-las. Ele não vai estar na sala de aula com a criança todos os dias, mas vai atualizar as atividades escolares para ela e pode avaliar a necessidade de um atendimento individualizado no contraturno, uma ou duas, três vezes na semana, por exemplo, a depender do caso concreto. O profissional de apoio é aquele que vai fazer o plano pedagógico daquela criança que tem necessidades diferenciadas, que vai desde adaptação das tarefas no dia a dia até o apoio e o atendimento da educação individualizada no turno diferente do qual a criança estuda”, explica Mariana Lobo.

Os professores disponíveis no contraturno escolar fazem parte do Atendimento Educacional Especializado (AEE), estabelecido em 2008 pela Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva. O principal objetivo desse serviço de apoio é identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade, no horário oposto ao período escolar, com atividades complementares.

“A minha queixa é porque eu não tenho adaptação curricular de nada. Ele não tem contato com a professora de AEE, porque é no contraturno, mas mesmo ela dentro da escola, não atende o meu filho. Os professores de escola pública muitas vezes não se alinham com a direção. Mesmo com uma diretora fantástica, muito engajada, os professores não são. Esse ano, ele tem quatro professores e eu ainda não recebi uma vírgula adaptada para ele. Meu filho passa mais de quatro horas no colégio, e eu sei que ele fica jogado na sala porque não tem o que fazer. Ou então no pátio. Isso não é inclusão. A inclusão seria se tivesse material de apoio, que meu filho pudesse acompanhar, um plano de ação, um plano de atividade. Tudo isso a gente não consegue ter. Eu não tenho nem nota de avaliação dele, porque ele não atinge nenhum objetivo já que isso não é criado para ele”, pontuou Renata.

Mariana Lobo complementa ainda que o trabalho articulado para conseguir vagas para as crianças é uma questão de proteção. “É importante frisar que muitas dessas demandas a gente vai resolvendo compondo um diálogo entre a família e o poder público. A gente quer celeridade na solução, a proteção e o atendimento aos direitos das crianças, e não uma briga judicial. Esse entendimento favorece que a criança logo encontre a socialização, a proteção social, a segurança alimentar e também todo o arcabouço educativo que a vivência escolar proporciona”, destaca Mariana.

Sobre isso, Renata complementa: “o George tem um potencial incrível que as escolas regulares não conseguem explorar e o sorriso dele quando sabe que está certo é minha recompensa. E ele sabe muito que só precisa de alguém que acredite, e nós não deixamos de acreditar nele nem um segundo”.

Serviço
Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas – Ndhac – Fortaleza
Endereço: Av. Senador Virgílio Távora, 2184, Dionísio Torres, Fortaleza – CE
Telefone(s): Ligue 129 / (85) 3194-5049