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“É a juventude que vai seguir toda essa luta”

“É a juventude que vai seguir toda essa luta”

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Quando você coloca o pé na Escola Indígena Jenipapo-Kanindé (EIJK), localizada na Lagoa Encantada, em Aquiraz, na Região Metropolitana de Fortaleza, parece que está vivendo noutra época, quando a educação e a natureza conviviam de forma harmônica, quase em simbiose.

Fica mais fácil aprender sobre ciências quando o professor para a aula para que os alunos ouçam o canto dos pássaros. Ou quando o pátio é um quintal com mangueiras, cajueiros, bananeiras, pé de ata, seriguela e acerola. Isso sem contar as plantas medicinais: hortelã, boldo, cidreira, capim santo, urucum, que estão todas ali, ao lado da cozinha.

Um dos tantos pilares que sustentam esse espaço é o Fábio Alves, neto mais velho de Cacique Pequena, a matriarca maior do lugar e primeira mulher cacique do Brasil, assim por ele descrita: “ela é guardiã da memória, mestra da cultura, doutora da mata e professora.”

Aos 41 anos, Fábio é professor da escola. Com a ‘maraca’ e o livro em mãos, vive diariamente o desafio de propor um sistema de ensino de qualidade e diferenciado, no sentido de atender às especificidades da comunidade indígena. Ele explica que a educação escolar indígena se iniciou por uma necessidade de dois povos do Ceará: o Tapeba, em Caucaia, e o Tremembé, em Itarema.

“Depois, viemos nós, Jenipapo-Kanindé, e, em seguida, os Pitaguary, de Maracanaú. Primeiramente, a preocupação era com os estudos territoriais. E daí se iniciou a criação das escolas. Temos 23 anos de educação escolar indígena com uma preocupação de estar formando futuros líderes que estejam sempre mantendo e fortalecendo a cultura, a vivência do território, a garantia dos direitos e mantendo nossos deveres”, pontua.

 

 

A Educação Escolar Indígena é assegurada na Constituição Federal Brasileira de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96), que assegura às comunidades indígenas o direito à educação diferenciada, específica e bilíngue. Outro documento importante é a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais, promulgada no Brasil por meio do Decreto nº 5.051/2004, bem como a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 da Organização das Nações Unidas (ONU) e a Declaração das Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas de 2007.

Atualmente, existem 39 escolas indígenas na rede estadual cearense e cinco escolas nas redes municipais de ensino. A educação escolar indígena está em 20 municípios do Ceará, com 15 povos reconhecidos, garantindo aos indígenas e suas comunidades a recuperação de memórias históricas, a reafirmação de identidades étnicas, a valorização de línguas e ciências, bem como o acesso a informações.

“Esse nosso projeto é flexível. Não podemos fazer um projeto fechado porque todos os dias recebemos um público que, mesmo sendo do nosso próprio sangue, tem pensamentos diferentes. Mas uma das nossas maiores preocupações é não deixar isso aqui acabar. Não deixar com que os nossos curumins cresçam com uma visão de uma cultura que não seja a deles. Eu me sinto orgulhoso do nosso projeto de educação escolar indígena que é formar nossos alunos, que eles sejam críticos, construtivos, tenham ideias próprias, opiniões próprias, que prevaleça a nossa cultura, o respeito um pelo outro, e que eles ocupem espaços no momento certo, sem ultrapassar ninguém, porque todos aqui têm seus espaços”, ensina Fábio.

Ele deixa transparecer que a comunidade e a escola são as bases da esperança nas quais projetam o amanhã. “É seguindo ainda toda uma formação que nós tivemos por uma mulher que sempre diz que não tem letra, que é a Cacica Pequena, mas é essa mulher que não tem letra que soube formar alunos, soube criar e realizar muitos sonhos. Então, nosso sonho da educação é levar esse ritmo. Estamos alcançando aos poucos e eu acredito nessa juventude, acredito nos que estão pra nascer da juventude, porque são eles quem vão seguir toda essa luta”, destaca.