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Emoção e sonho marcam entrega de 46 certidões de nascimento a pessoas trans e travestis em Caucaia

Emoção e sonho marcam entrega de 46 certidões de nascimento a pessoas trans e travestis em Caucaia

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Texto e fotos: Bruno de Castro

A Defensoria Pública do Ceará (DPCE) e a Prefeitura de Caucaia entregaram nesta quarta-feira (31/1) novas certidões de nascimento a 46 homens trans, mulheres trans e travestis do município. Os documentos tiveram alterados o nome e o gênero para os quais essas pessoas identificam-se. O ato marcou a Visibilidade Trans, celebrada nacionalmente no último dia 29/1.

Essa foi a primeira vez que Caucaia promoveu um mutirão de retificação para esse público em toda a história da cidade, que tem 264 anos de emancipação política. “Hoje é um dia de festa porque a entrega dessas certidões representa o recomeço da vida dessas pessoas. É uma prova de que quando as instituições se unem a gente leva cidadania pras pessoas. Essa união faz com que as pessoas tenham mais direitos garantidos”, disse a defensora geral Sâmia Farias.

 

 

 

Foi por compreender a dimensão desse ato que Mainumy Pereira da Silva participou do mutirão. Originária do povo indígena Tabajara Tapuio Itamaraty, ela recebeu na véspera do aniversário de 21 anos a certidão com o nome que escolheu e o gênero feminino. “Dentro da minha comunidade, ser homem e ser mulher é muito diferente do que é ser fora. Sempre foi sobre o papel que eu exercia dentro da minha família. E minha família já ouvia de mim, com oito anos de idade, que eu não me sentia bem com roupa masculina.”

Ela cita a avó como figura mais importante do processo de transição. E diz que já tentava retificar a certidão de nascimento há três anos, mas a burocracia – que Mainumy classifica de “longa e chata”, além de cara – impedia a mudança documental. “Quando minha mãe estava grávida de mim, minha avó disse que eu era uma menina. Tanto que foi uma surpresa quando eu nasci e biologicamente não era. Minha avó dizia que os encantados me conceberam como mulher. Que eu podia não ser mulher pros brancos, mas que pra nossa cultura eu sou. Eu abracei esse caminho. Amo a minha mulheridade. Então, eu ser mulher é algo espiritual. E, agora que consegui, quero que outras travestis indígenas tenham o mesmo acesso”, projeta.

A mãe, Marenilda Pereira, recebeu a certidão junto da filha e afirmando que sempre soube da transexualidade de Mainumy. “A gente sente, né? Mas, pra mim, não foi tão complicado porque eu já tinha amigos trans… Foi ótimo ter uma filha. Ela é minha melhor amiga. E a retificação é uma realização muito grande porque esse é o nome que ela escolheu e o gênero que ela se identifica. Eu desejo só sucesso pra ela.”

 

 

Coordenador da Diversidade na Prefeitura de Caucaia, Jô Silva enalteceu a parceria da gestão municipal com a DPCE, instituição na qual se inspirou para promover o mutirão. Ele teve como referência o Transforma, mobilização da Defensoria que desde 2022 já retificou a certidão de quase 400 pessoas. “A Defensoria nos deu toda a atenção. Sem ela, nada disso estaria acontecendo. As pessoas que estão aqui têm vidas marcadas pelo preconceito, marginalizadas pela ignorância e desrespeitadas diariamente. Mas hoje essas histórias começam a mudar”, declarou.

No caso de Priscila da Silva, de 35 anos, tudo vai mudar radicalmente. A começar pelo endereço. Agora com a certidão retificada, a pedagoga vai alterar todos os demais documentos para, de passaporte novo, em breve desembarcar na Europa para ficar de vez. “Fazer a retificação não é simples nem barato. E há muita falta de informação também. Por isso, a presença da Defensoria foi de extrema importância pra gente. Porque mudar o nome e o gênero é um direito nosso, mas parece que a gente tem que brigar por ele. Sem essa retificação, eu poderia perder trabalho em Portugal. Agora, eu vou tranquila”, comemorou.

 

 

Já o professor de Geografia Shay Castro, de 41 anos, foi abraçado pelos amigos assim que recebeu a nova certidão. Pra ele, o dia de hoje teve um significado especial. “Meu nome significa “presente”. É como se eu estivesse me dando de presente pra mim mesmo. Porque ser trans e se identificar como trans é muito difícil. As pessoas falam que é uma escolha, mas não é. A gente nasce assim. E se reconhecer numa sociedade que é altamente violenta contra a pessoa que a gente se reconhece é complicado. Meus amigos fizeram ser mais fácil. Estiveram comigo todas as vezes que eu precisei.”

O próximo passo agora é conversar com os pais. “Eles são agricultores e não entendem muito. Mas é um tijolinho de cada vez. Comigo mesmo foi assim. Eu me descobri uma pessoa trans no meio da pandemia e, aos poucos, sozinho em casa, assistindo a várias lives, vi homens trans e percebi que o que acontecia com eles era o que acontecia comigo. Eu posso até comemorar como aniversário, viu? Porque você nasce novamente. É um novo ciclo que vou iniciar”, sentencia.