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“Pessoas que se importam e que realmente queriam viver esse sonho comigo”

“Pessoas que se importam e que realmente queriam viver esse sonho comigo”

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O período da adolescência é uma fase de descobertas de si mesmo. Uma fase que, no geral, não costuma ser fácil, pois é o momento de olhar no espelho e encarar o desconhecido: você mesmo e seu processo de crescimento. E, quando você não enxerga nada daquilo que os outros esperam de você? O repertório não é inédito e sim um dos percalços que, invariavelmente, narram as pessoas trans e travestis nesta fase. 

Foi assim com Emilly, hoje com 18 anos. Aos 14, compreendeu que sua transição não era apenas a geracional, de criança para adolescente. “Me descobri logo no início da pandemia. Foi um choque pra mim, porque por mais que eu fosse diferente das outras crianças, nunca passou na cabeça de ninguém, nem na minha, que eu ia me tornar uma mulher trans, uma mulher travesti. Eu não tinha conhecimento daquilo”, relata Emilly. 

De início, a reação de Emilly foi a rejeição. Rejeição de si mesma. Ela não queria ser o que escutava os outros tratarem como algo ruim. Achava que era uma fase, uma adolescência confusa e cheia de angústias. E, como não passava a sensação de insatisfação consigo, buscou entender o que estava acontecendo. “Comecei a estudar e pesquisar sobre o que eu sentia, porque isso já estava me afetando pra caramba. Aí, eu descobri: sim, as pessoas trans existem! As crianças trans também existem. Então, mudei o meu pensamento, me aprofundei sobre o assunto e busquei saber se era aquilo que eu estava sentindo. Travesti não é coisa ruim, muito pelo contrário. Travesti tá dando a cara a tapa no mundo para abrir espaços, para ocupar espaços, para dar mais visibilidade, para mostrar que existe. A gente existe”, assegura.

Claro que foi um processo doloroso. Tanto para ela, quanto para a família. Mas, seria ainda mais doloroso permanecer em um gênero que não era o seu. “Fui devagar, devagar, até que vi que precisava soltar pro mundo quem eu era. Chamei minha mãe num canto e conversei com ela: ‘olha, mãe, a pessoa que a senhora criou é totalmente diferente. Eu sou uma pessoa trans. Eu sou uma mulher trans. Eu não me identifico como homem, nunca me identifiquei como homem’ “, conta. 

O apoio familiar não veio de cara e a resposta recebida não foi positiva. Mas, no decorrer do seu caminho, foi recebendo o apoio que precisava. “Hoje em dia, minha mãe me ajuda muito, muito. Eu acho que sem ela, eu não conseguiria estar onde estou. Eu tenho muito respeito e sou tratada bem pela minha família. Eles são a minha base”, emociona-se. E é a delicadeza de Emilly, que sobressai nesta caminhada. 

Sempre foi um sonho a retificação de nome e gênero. Mas, achava que este sonho só chegaria quando conseguisse um emprego fixo para arcar com as despesas financeiras desse processo. Mas tudo mudou. Amigas e amigos viram nas redes sociais a notícia do Transforma. No mesmo instante, eram directs e mensagens diversas, todo mundo mandando informações, incentivando-a participar. “Foi bastante prazeroso ver a quantidade de pessoas que se importam e que realmente queriam viver esse sonho comigo. Eles encaminharam a notícia pra mim, me falando: esse é o teu momento”, diz orgulhosa.  

Emilly não perdeu tempo. No mesmo dia foi atrás de saber como funcionava, se inscreveu no site oficial da campanha, juntou todos os documentos e os enviou para a instituição. A conquista abre um novo ciclo na sua vida. “Nunca imaginei que esse dia iria chegar. Essa sexta vai ser um momento único pra mim, de verdade, porque vai ser onde eu vou nascer de novo. É uma das conquistas mais importantes da minha vida! O meu nome retificado vai mudar muito minha vida, sem sombra de dúvidas. O nome faz total diferença”, alegra-se.

Uma nova vida gestada e parida, sim, aos 18 anos, porque é sempre tempo de (re) começar. “Vou poder mostrar pra todas as outras pessoas que sim, sou uma mulher, e sim, me chamo Emily”, comemora a vida por vir, afinal, triste mesmo é desistir do que mais se deseja e de quem se é. “O documento vai ser perfeito: vou mostrar a todos o que eu quero e quem eu sou. Sou mulher. Sou a Emilly!”