
Estatuto completa 20 anos em defesa da pessoa idosa e assegura direitos de mais de 31 milhões de brasileiros
Quando o Estatuto do Idoso foi criado, em 2003, o Brasil tinha 16,7 milhões de pessoas com mais de 60 anos. O correr do tempo fez tanto a população desta faixa etária praticamente duplicar (chegando aos 31 milhões de hoje) quanto levou ao aperfeiçoamento da própria lei, que em 2022 passou a ser chamada de Estatuto da Pessoa Idosa como forma de incluir as diversas identidades de gênero. Ao completar 20 anos de vigência, essa legislação aponta para um tempo no qual já é essencial mas, sobretudo, para dias em que será ainda mais importante na regulação de direitos e garantias de quem está na velhice.
Isso porque em 2060, um futuro logo ali à espreita, estima-se que o Brasil terá mais de 58 milhões de pessoas idosas. Hoje, o Ceará tem 1,5 milhão. O equivalente a 16% da população total. “Antes de qualquer coisa, o Estatuto é um marco civilizatório. Nele, o Estado reconhece a essas pessoas especial proteção quando traz, pormenorizada e especificamente, os direitos dessa população. É um instrumento de amparo a esse público geracional, que tem crescido no Brasil e, em corolário, aumenta a busca por direitos. Por isso, não consigo enxergar a proteção da pessoa idosa sem o Estatuto. Ele dá segurança jurídica em vários aspectos porque não só dispõe do papel institucional do Estado como assegura direitos individualmente”, avalia o supervisor do núcleo especializado da Defensoria para esta faixa etária, Daniel Madeira.
Essa garantia de direitos se dá com os balcões da DPCE cada vez mais procurados por quem superou os 60 anos. São pessoas em busca de ações judiciais de usucapião, divórcio, alteração do nome no registro, inventário, para deixar de pagar pensão a filhos(as) maiores de idade… E, assim, defensores e defensoras que atuam na causa viram em Fortaleza os procedimentos saltarem de 1.428 (o ano todo de 2020) para os atuais 7.701 (de janeiro a agosto de 2023).
Legalmente reconhecidas como hipervulneráveis, muitas dessas pessoas vivem em total desconhecimento dos próprios direitos e do que versa o Estatuto. “A maioria sabe que tem direito à prioridade processual, por exemplo. Mas questões sobre patrimônio, inventário ou mesmo ameaça, que é algo bem recorrente, muitos não sabem quais direitos têm. E, aqui, a vulnerabilidade maior que eu vejo é a relação familiar por conta de patrimônio. Os pais vão ficando mais velhos e vulneráveis e alguns filhos se aproveitam disso, ameaçando ficar com o bem ou para tirar dinheiro. Já vi gente expulsa de casa ou que teve o cartão de pagamento tomado pelo filho. Isso é uma realidade. E é crime”, detalha a defensora Carolina Bezerril, atuante no Núcleo.
Ela acredita que o Estatuto da Pessoa Idosa cumpre duas principais funções: ressaltar a importância da pessoa idosa para a sociedade e compilar, num só instrumento, os direitos delas, de forma que possam reivindicá-los. Diante do aumento da demanda, coloca-se a relevância de o núcleo da DPCE ter recebido reforço nos últimos meses tanto de colaboradoras/es de apoio quanto de atuação defensorial. “Sem o Estatuto, não teríamos evoluído tanto assim e não iríamos evoluir como ainda iremos. Mas também precisamos conversar mais sobre a velhice em casa. Não se fala sobre respeito, morte, doença… E a gente tem que falar! Temos que refletir enquanto sociedade, porque é o mais velho que traz a experiência do que aconteceu pra gente aprender”, acrescenta Bezerril.
Para a defensora Ana Carolina Gondim, que é membro do Conselho Nacional da Pessoa Idosa (CNDPI) em assento destinado à Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), é urgente a aprovação do projeto de Lei nº 4.438/2021, em tramitação no Congresso, para incluir seção no Estatuto exclusivamente sobre a atuação defensorial. O texto já foi aprovado na Câmara e aguarda votação no Senado.
“O que se tem hoje no Estatuto sobre a Defensoria não é expressivo porque o Estatuto é de 2003 e muitas legislações sobre a Defensoria são pós-2003. Então, é preciso atualizar. E isso vai fortalecer a nossa atuação, que já vem contemplada em outros dispositivos legais, em especial na Lei Complementar da Defensoria, com a redação da lei complementar 132/2009, bem como com os julgamentos do STF e demais tribunais, todos reconhecendo a importância da atuação da Defensoria na pauta da pessoa idosa”, avalia a defensora.
Gondim ressalta outra questão importante em pauta no Congresso desde 2017: a ratificação da Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos, da qual o país é signatário desde 2015. “O Estatuto precisa estar em consonância com as novas funções defensoriais e deve ser aperfeiçoado, da mesma forma que foi quanto ao superendividamento e à nomenclatura. A Defensoria tem um papel importante para garantir vez e voz às pessoas idosas no dia a dia”, frisa a defensora, que é complementada pelo colega Daniel Madeira, também favorável às ações de fortalecimento da atuação da Defensoria na causa etária.
“O projeto de Lei nº 4.438 amplia o papel da Defensoria no Estatuto. Concede à Defensoria, entre outras atribuições, o papel fiscalizatório com o intuito de resguardar os direitos da população idosa. Isso é salutar para proteger ainda mais os idosos”, acredita Madeira. “Quando você cria uma normatização específica para um determinado segmento da sociedade, tem um aspecto de viés político aí também, de dar visibilidade a esse segmento. O Estatuto torna o assunto uma pauta pública”, acrescenta o defensor Bruno Fiori, também titular do Núcleo da DPCE.
Ele recorda que os núcleos e equipamentos especializados nasceram no poder público em decorrência do Estatuto da Pessoa Idosa. Hoje, além da Defensoria, também contam com espaços do tipo o Ministério Público, o Governo do Estado (com delegacia própria), as casas legislativas etc. De repente, daqui a alguns anos, teremos uma vara especializada. Ou seja: você faz com que o poder público tenha estruturas praquele público. Então, é importante o projeto de lei que tramita no Congresso, porque vai definir melhor o papel da Defensoria no sistema de proteção ao idoso, que foi criado pelo Estatuto”, diz Fiori.
Por fim, ele reflete: “as pessoas ficam mais velhas e não mais novas todo dia. A tendência da população é envelhecer e não rejuvenescer. Mas a gente não pensa no futuro. A gente não é habituado a se programar para envelhecer. Nossa sociedade não está acostumada a lidar com idoso. Todo mundo gosta de um velhinho em casa, até envelhecer. Quando o idoso perde autonomia, aí vem o problema. Quem cuida?”, lembra o defensor sobre a responsabilidade de todos com o envelhecimento e, mais especificamente, de ascendentes e descendentes sobre os parentes mais velhos.
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