Posso ajudar?
Posso ajudar?

Site da Defensoria Pública do Estado do Ceará

conteúdo

Estudante com câncer aprovado em vaga de cota consegue cursar Direito com ajuda da Defensoria

Estudante com câncer aprovado em vaga de cota consegue cursar Direito com ajuda da Defensoria

Publicado em

Entender as leis e defender os direitos de outras pessoas sempre esteve nos sonhos de Lázaro Emanoel Oliveira dos Santos, de 22 anos. Em fevereiro do ano passado, o jovem prestou vestibular para o curso de Direito da Universidade Regional do Cariri (URCA) no campus de Iguatu, sua cidade natal, no Centro-Sul do estado. Após anos de estudo e dedicação, passou em 2º lugar na lista de cotas para candidatos com deficiência.

Para o vestibular da URCA, concorreu nas cotas para pessoas com deficiência (PcDs) devido ao agravamento de suas condições motoras decorrentes de Leucemia, o chamado câncer do sangue. Das 40 vagas ofertadas para Direito em Iguatu, duas (5%) eram para PcD.

No processo de matrícula, apresentou o laudo médico detalhado com o parecer da doença (reconhecida na Classificação Internacional de Doenças), junto ao cronograma de viagens médicas, assinaturas e CRMs dos médicos responsáveis pelo tratamento em São Paulo. Levou também um anexo do benefício assistencial que recebia do INSS desde o diagnóstico. A apresentação desses documentos é uma conduta exigida na lei estadual  nº 16.197, de janeiro de 2017, que define a forma de ingresso no sistema de cotas nas instituições de ensino superior situadas no Ceará. Porém, o sonho virou pesadelo quando a comissão responsável rejeitou sua matrícula na universidade.

O jovem chegou a recorrer de forma administrativa, porém, mais uma vez, a comissão negou o pedido. “Primeiro, eu me senti anestesiado. Senti raiva, muita tristeza por todo o corpo. Eu falei para os meus familiares que eu fiquei tão triste quanto o dia que eu recebi o diagnóstico do câncer. Para mim, foi uma injustiça. Eu fui aceito na inscrição, assisti a 45 dias de aula e ainda fui indeferido na comissão. O recurso era a minha última chance. Fiquei extremamente triste”, desabafa o estudante.

Com apoio de amigos e familiares, Lázaro foi buscar informações no núcleo da Defensoria Pública do Estado em Iguatu. O defensor público Dani Esdras prestou assistência jurídica e entrou com uma ação judicial para que a URCA realizasse com a urgência a matrícula do jovem, visto que a comissão avaliadora desconsiderou as limitações físicas provenientes de uma doença crônica grave como a leucemia.

“A Comissão justificou a decisão por considerar que a doença não se enquadrava na lista oficial prevista no Estatuto da Pessoa com Deficiência. O intuito da lei não é discriminar, e sim promover assistência, garantir direitos das pessoas com deficiência. Era o caso do Lázaro. Apesar da doença dele não constar como doença incapacitante aos órgãos oficiais, a doença o incapacitava. Ele não concorria em pé de igualdade com os outros alunos que estavam na ampla concorrência. Então, a lei veio garantir que o Lázaro, que adquiriu sequelas no transplante e se encontra em um tratamento árduo sem expectativa de término, tenha condições de tentar concorrer em pé de igualdade ou ter uma chance de equilibrar essa situação em face das suas dificuldades”, explica o defensor público.

Em cerca de oito dias, a Defensoria Pública obteve uma liminar em favor da matrícula definitiva de Lázaro no curso de Direito no campus da URCA em Iguatu. Sob o entendimento do artigo 2º do Estatuto da Pessoa com Deficiência, a juíza interpretou que as sequelas que acometem Lázaro trazem impedimentos de longo prazo, como comprovado em laudo médico, logo “a exclusão do certame se revela arbitrária e impede o acesso dos candidatos com deficiência à universidade”.

O defensor Dani Esdras entende que o caso é muito importante para a garantia de direitos de mais pessoas como Lázaro. “Esse exemplo é muito importante para todos aqueles que se sentirem prejudicados ou com algum direito violado. Saibam que podem procurar todos os nossos órgãos que estamos prontos para atendê-los”.

Assim que a decisão judicial saiu, Lázaro voltou a assistir às aulas. Atualmente, no 3º semestre, o estudante precisou trancar a matrícula pelo bem da sua saúde. As idas e vindas mensais a São Paulo tornam complicado a frequência em sala de aula, já que a graduação é inteiramente presencial. Mesmo assim, o iguatuense não pensa em desistir. Em outubro, quando concluir a última viagem prevista à capital paulista, deve realizar uma nova matrícula para retomar onde parou. Apesar do medo que sentiu ao encarar a situação na justiça, entendeu que a provação servirá de ensinamento e incentivo para que mais iguais possam conquistar o direito de adentrar uma universidade.

Entenda o caso – Em 2013, Lázaro foi diagnosticado com Leucemia Mieloide Aguda (LMA), uma condição grave em que as células sanguíneas sofrem mutação genética e se multiplicam sem controle, afetando o funcionamento da medula óssea. Por consequência, desde os 12 anos de idade, o jovem passa por um extenso tratamento médico com longas sessões de quimioterapia e uso de medicamentos imunossupressores. Pela questão da saúde fragilizada, precisou pausar os estudos até 2015, quando houve a primeira remissão do câncer.

A nova medula óssea chegou após sete anos de espera na fila de receptores. Pelo alto risco do tumor retornar e na falta de um doador totalmente compatível, Lázaro recebeu a medula da própria irmã, 50% compatível, o que reduziu os riscos de rejeição e salvou a sua vida. Mesmo com o transplante realizado, outros desafios apareceram, dentre eles uma limitação física. “Os problemas vieram depois, quando a medula ‘pega’. Até cinco anos depois do transplante, o seu corpo ainda pode ser acometido por rejeições. Estava bem, mas tive uma rejeição nas articulações que restringia o movimento tanto no cotovelo quanto na mão. Eu não conseguia abrir a mão nem estender meu braço totalmente”, revela. Desde então, para tratar das complicações do transplante, a cada 30 dias, Lázaro precisa ir até São Paulo receber medicações.

“Entendo que a lei existe para abraçar e ampliar o entendimento sobre as pessoas com deficiência, e não limitar a um grupo específico. Quando eu viajo para São Paulo, eu converso com muitos pacientes da minha idade e pergunto se estão estudando por causa do tratamento. Eu falo: ‘cara, tenta estudar um pouquinho, porque quando for prestar um vestibular ou algum concurso, tu já está mais preparado. ‘Usa o tempo de descanso que a gente tem em casa para ler e assistir conteúdo no Youtube sem se cobrar, faz por hobby mesmo’. Eu já lutei tanto por essa matrícula, quero que outros consigam também. Enquanto os médicos não desistirem de mim, eu não vou desistir”, afirma, esperançoso.