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Gabriel e o sonho de se qualificar, crescer e amparar outras pessoas trans

Gabriel e o sonho de se qualificar, crescer e amparar outras pessoas trans

Publicado em
Texto: Déborah Duarte
Foto: ZeRosa Filho
Ilustração: Valdir Marte

Com coragem para desbravar caminhos, Lucca Gabriel Queiroz Santos, de 31 anos, saiu de Guaramiranga, no Maciço de Baturité, região serrana do Ceará, para viver em Fortaleza uma jornada de transformação e superação. A história dele é testemunho de como a autocompreensão pode mudar vidas.

Há sete anos, Gabriel largou trabalhos esporádicos de guia turístico na serra e conseguiu mais do que um novo emprego na capital cearense: afirmar a própria identidade. “Desde a infância, eu sabia o que carregava dentro de mim. Diferente do que as pessoas pensam, não é uma coisa que se muda. Você já nasce. Minha transição foi tranquila e não tive resistência familiar, mas houve sim uma adaptação. Quando entendi que era um homem trans, me assumi para minha mãe aos 14 anos.”

A mãe, dona de casa, e o pai, pedreiro, não mediram esforços para criar e educar os seis filhos. E, embora apreensivos, apoiaram Gabriel. A transição, ele ressalta, demandou paciência e compreensão mútua. “Minha mãe é a minha melhor amiga. Claro que teve a parte de adaptação, porque você está uma pessoa e se torna outra. Você tem que ter paciência consigo e com o outro também, porque o outro lhe conhece de uma forma e de repente você está de outra. É um renascimento”, pontua.

Em Fortaleza, Gabriel passou a trabalhar com medicina alternativa e hoje integra a equipe da Assessoria de Relacionamento Institucional (Arins) da Defensoria Pública do Ceará (DPCE). Atua no auxílio às pessoas que buscam os serviços da instituição. Ou seja: lida direta e diariamente com o sonho de muitos assistidos e assistidas.

“Chegando aqui em Fortaleza, acabei me capacitando nessa área de medicina alternativa, como massoterapeuta, uma área que gosto muito e onde passei sete anos . Depois, acabei vindo pra Defensoria, uma área totalmente diferente da minha, mas que, com empatia e sabendo lidar com pessoas, tudo vai se tornando mais fácil”, destaca.

Gabriel ainda almeja muitos objetivos. O primeiro foi alcançado em 2017: mudar o nome e o gênero na certidão de nascimento. “Foi a realização de um sonho porque a partir do momento que você começa a ser chamado da forma como você é pelas pessoas ao seu redor ou pelas pessoas que você ama é muito gratificante. Você não tem que passar por constrangimento, trocando o feminino pelo masculino ou vice e versa.”

Agora, a meta maior está no campo profissional. “Quero me qualificar e me capacitar para crescer aqui [na Defensoria], seja na área do direito ou na área psicossocial. Já tenho minha casa em Guaramiranga, mas pretendo ter aqui em Fortaleza uma coisa que é minha. Como disse, a vida é uma escada. Você vai se organizando e vai conquistar aquilo que está na sua cabeça”, diz.

E acrescenta: “posso dizer hoje que sou uma pessoa feliz e tive muitas conquistas. Mas admito que antes da retificação a gente se sente meio perdido. A partir do momento que acontece a retificação e eu tive a oportunidade de ser realmente quem sou, posso dizer que sou uma pessoa feliz. Eu me imagino fazendo uma coisa melhor para essas pessoas. Não é só tipo “ah, eu já me retifiquei e o resto é resto”. Não é. É uma luta conjunta. Não é uma luta sozinho.”

Para que hoje, aos 31 anos, Gabriel e outras pessoas trans possam planejar o futuro, muitos e muitas prepararam esse caminhar. Impossível não citar o exemplo de Sílvio Lúcio Nóbrega Ferreira Silva, o primeiro homem trans do Ceará e fundador do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (Ibrat). A organização é uma rede nacional de ativistas da sociedade civil, sem fins lucrativos, a fim de desenvolver e monitorar pesquisas e discussões, oferecer formação política e incentivo à militância e exercer controle social de políticas públicas para a população transmasculina brasileira.

“Sou um dos primeiros homens trans do Brasil. Para muitos jovens não encontrarem dificuldades ou não sofrerem preconceito no processo de reconhecimento de suas identidades, alguém sofreu antes por eles. Hoje, muitos encontram o caminho feito. Eu tive presença em todas as lutas que envolvem a militância LGBTQIAPN+, dei minha contribuição ao movimento e precisamos da imagem de pessoas que estiveram na luta para fortalecimento dos jovens trans”, destaca Sílvio.

Quando questionado sobre os sonhos que cultiva, Silvio é certeiro. “Tem uma hora que entendemos que mais importante do que uma carreira é ser feliz. Sou um mutante em constante transformação. Trabalhei muitos anos no serviço público e agora minha família está se dedicando à jardinagem e ao paisagismo. Mas meu sonho é para todes: que a gente possa lutar por saúde pública para os homens trans. O meu corpo ainda tem uma identidade que precisa de uma ginecologista e isso impede que muitos não frequentem médicos pelo constrangimento”, complementa Sílvio.

Nesta quinta-feira (1º/2), a série “Sonhar é Resistir” encerra contando a história de vida e os sonhos de Dary Bezerra, uma pessoa não binária.