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Homem negro busca reparação após sofrer racismo dentro de supermercado em Fortaleza

Homem negro busca reparação após sofrer racismo dentro de supermercado em Fortaleza

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“Senhor, isto aqui não é lugar de pedinte”. A seguinte frase foi ouvida por Antônio Carlos da Silva Conceição, um homem negro, de 45 anos, quando estava aguardando atendimento para pagar as suas compras. O caso aconteceu na noite de 28 de setembro de 2022, na fila do caixa dentro de uma filial do Pão de Açúcar, localizada no Bairro de Fátima. 

Antônio Carlos é mestre de obras e estava se dirigindo ao supermercado para fazer compras junto da esposa, após concluir o dia de trabalho em uma obra nas proximidades. Quando esperava na fila do caixa, com as compras e o cartão de crédito em mãos, o homem foi abordado por uma funcionária que o ordenou de imediato a sair. A justificativa seria de que ele era um mendicante e não deveria estar pedindo esmola naquele lugar.

“Ela fez isso na frente de todo mundo, apontou o dedo diretamente a mim, dizendo em voz alta que eu era um ‘pedinte’ e que estava pedindo esmola para a minha esposa, uma mulher branca. Eu fiquei tremendo na hora, me senti muito mal. Nunca havia passado por uma situação como essa”, detalha.

Mesmo diante do constrangimento, Antônio Carlos tentou manter a calma e questionou a funcionária sobre o porquê da abordagem. Ela alegou que havia recebido o chamado de uma cliente não identificada sobre um homem com a camisa do Fortaleza Esporte Clube, supostamente, pedindo comida dentro do supermercado.

Na ocasião, segundo o mestre de obras, havia muitos outros clientes vestidos com a blusa do time de futebol, porque no mesmo período acontecia uma partida contra o Flamengo, nas proximidades. Mas, na verdade, Antônio entendeu que era o alvo da discriminação por ser o único negro no estabelecimento. “Eu disse na frente da funcionária que ela estava equivocada, mostrei minhas compras e o cartão nas mãos. Aí eu a questionei: ‘Tem um bocado de gente com a camisa do Fortaleza aqui e você não abordou ninguém! Aí você me escolheu para abordar? Eu não estou vendo ninguém da minha cor. Eu sou o diferente aqui?’”, relembra.

Testemunha de todo o ocorrido, Sandra Maria da Silva, de 46 anos, esposa de Antônio Carlos, conta que ficou revoltada e se prontificou a defender o marido, acionando a polícia e fazendo diversos registros da situação. “Eu fiquei muito revoltada em ver ali meu esposo altamente constrangido e sem voz. A mulher simplesmente chegou até ele e afirmou. Isso é discriminação, é racismo, é crime. É revoltante ver uma pessoa ofendida, destratada dentro de um estabelecimento por sua cor. Nenhum branco foi abordado na hora, só o meu marido que é negro. Chamei a polícia e fiquei gravando tudo enquanto esperavámos”, questiona a correspondente bancária.

O casal, a funcionária e três testemunhas foram levadas até a delegacia do 10º Distrito Policial para prestar depoimento. Na lavratura do boletim de ocorrência, mesmo com a declaração da fiscal de caixa que fez a abordagem de cunho racista, o fato foi registrado como ocorrência não delituosa, significando que não houve crime e tampouco poderia ser dada uma ordem de prisão. A funcionária foi liberada e o inquérito instaurado e enviado para o 25º Distrito Policial.

Como vivenciado por Antônio Carlos, a injúria racial se expressa em qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa que atinja a sua dignidade e cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição vexatória em razão da cor ou etnia. Desde janeiro deste ano, com a sanção da lei 14.532, a prática de injúria racial torna-se um crime de racismo, tendo sua pena aumentada de um a três anos para dois a cinco anos de reclusão. Além disso, as condutas tipificadas passam a ser inafiançáveis e imprescritíveis.

Em novembro de 2022, o caso de Antônio Carlos chegou às mãos da Defensoria Pública do Ceará (DPCE) através de um ofício enviado pela Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa. À frente do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas, a defensora pública e supervisora Mariana Lobo vem prestando assistência, colhendo esforços para a ampla defesa e reparação da vítima. 

Até o momento, duas audiências de conciliação foram realizadas na tentativa de obter um acordo amigável entre as partes. A última aconteceu na tarde do dia 29 de maio e contou com a presença de uma mediadora, mas não houve consenso. Em réplica, o Grupo Pão de Açúcar alega que a sua funcionária não cometeu injúria racial, visto que a abordagem a Antônio Carlos aconteceu de maneira “educada”. A varejista também não cedeu imagens das câmeras de vigilância para a autoridade policial.

Pela falta de consenso, o processo segue agora em fase de instrução processual necessária para a justiça emitir uma sentença. “Já que não teve acordo, entramos na fase de instrução, onde serão colhidas as diferentes provas, depoimentos e oitivas de testemunhas, para minimizar os danos sofridos com essa abordagem abusiva e vexatória”, explica a defensora pública. 

Desde o ocorrido, Antônio Carlos afirma que nunca mais pisou no estabelecimento. Relembrar todo o constrangimento vivido machuca e, por vezes, a justiça é o alicerce para superar a opressão.

Racismo é crime

Apelidos, ofensas, desprezo a costumes e hábitos, cânticos. Seja no supermercado, no estádio ou no trabalho, evidente ou não, racismo é crime e não deve ser normalizado. A vítima tem o direito de denunciar qualquer forma de ultraje, constrangimento e humilhação. 

Caso seja vítima de racismo, injúria racial ou qualquer outra forma de discriminação, o Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria presta assistência jurídica integral, através de ações e atividades relativas à proteção dos direitos humanos, envolvendo especialmente a preservação e reparação dos direitos individuais e coletivos de grupos sociais vulneráveis.

“Não aceite nenhum tipo de ato discriminatório em razão da cor da pele. É importante denunciar e compreender que é crime, sim, e esses atos devem ser denunciados para que os infratores possam ser responsabilizados. Importante dizer que a discriminação está no dia a dia fundante da nossa sociedade. Se a gente não falar, não apontar e não buscar os direitos, acabamos por nos tornar coniventes com esse tipo de postura e esse tipo de sociedade que não é a que queremos”, defende Mariana Lobo. 

SERVIÇO 

Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas – Ndhac – Fortaleza 

Endereço: Av. Senador Virgílio Távora, 2184, Dionísio Torres, Fortaleza – CE 

Telefone(s): (85) 3194-5049 / 129