
Não é qualquer dívida! PL que aguarda sanção presidencial dará tratamento diferenciado ao superendividamento
Vítima dos danos gerados pela pandemia, A.L.O faz parte dos 62 milhões de cidadãos brasileiros que encontram-se endividados, conforme aponta o Serasa. Desfrutando de uma vida social e econômica satisfatória, A.L foi surpreendido com seu desligamento do trabalho logo no início da pandemia. A difícil situação o levou a pegar parte do dinheiro que havia recebido para investir em um negócio próprio. O empreendimento, no entanto, afetado pelo contexto pandêmico, não vingou e trouxe sérios prejuízos financeiros para ele.
“As dívidas continuaram a chegar, e fui pagando as contas com mais sacrifício, mas acreditando que essa fase ruim iria passar a qualquer momento, infelizmente não foi o que aconteceu. Acabei usando o cheque especial da minha conta corrente para pagar as contas, na esperança que conseguiria uma recolocação profissional a qualquer momento e voltasse a honrar com minhas obrigações financeiras”, relata.
Impossibilitado de arcar com os custos para manutenção de seu apartamento, carro e outros bens, A.L está superendividado e, nessa circunstância, resolveu buscar a Defensoria Pública do Estado do Ceará (DPCE) a fim de conseguir, através do Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon), para elaborar com ele um plano de pagamento, análise dos contratos e possíveis negociações de redução de juros dos valores em atraso. São casos como este que poderão ser beneficiados caso a Lei do Superendividamento seja aprovada: pessoas de boa fé que estão em iminente falência civil.
Aprovado no último dia 09 de junho pelo Congresso Nacional, o Projeto de Lei (PL) 1805/2021, que aguarda sanção presidencial, prevê um plano de pagamento e solução destinado àquelas pessoas que não possuem capacidade de pagar a totalidade de suas dívidas de consumo sem comprometer o mínimo necessário para sua subsistência. A Lei do Superendividamento chega num momento crucial para o país em que quase 62 milhões dos cidadãos estão inadimplentes, segundo o Serasa, e metade destes tem a renda inteira comprometida, ou seja, estão superendividados.
A defensora e supervisora do Nudecon, Amélia Rocha, salienta que outro aspecto responsável pelo alto número de endividamentos é o aumento das ofertas de crédito por parte das instituições financeiras. “A questão do superendividamento das famílias começou, principalmente, quando se massificou a oferta de crédito, tanto é que um dos grandes pontos da nova legislação é a prevenção na oferta do crédito, porque gastar dinheiro é muito fácil, então é sempre preciso mostrar os impactos. A prevenção ao superendividamento é importante e, embora tenha se iniciado desde 2003/2004, essa oferta massiva de crédito, por vezes como empréstimo consignado, se agravou ainda mais na pandemia. Então a lei chega em um momento que a gente precisa muito dela”, pondera.
Em abril, segundo a Peic (Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor), realizada pela CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), a parcela de brasileiros com dívidas chegou a 67,5%. Somado a isso, a taxa de desocupação no país, que leva muitas pessoas a recorrerem aos empréstimos, atingiu, no primeiro trimestre de 2021, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 14, 8 milhões de brasileiros.
De acordo com a Lei do Superendividamento não há perdão de dívida, mas sim a possibilidade de que as pessoas de boa fé honrem com seus débitos. O PL 1805/2021 altera o Código de Defesa do Consumidor (CDC) adicionando dois capítulos. O primeiro trata sobre a proteção ao endividamento, tornando mais rígidas as regras para concessão de crédito e incentivando o financiamento responsável. Também regulamenta a publicidade e proíbe as instituições financeiras de oferecerem crédito com taxa zero.
Já o segundo capítulo trata da renegociação de dívidas, garantindo melhores condições de pagamento e permitindo que o consumidor negocie todas as contas de uma vez só mesmo que sejam de diferentes credores, além de limitar o valor da parcela preservando um percentual mínimo da renda. Além disso, a lei promove uma alteração no Estatuto do Idoso, vetando o assédio por parte das instituições financeiras, o que muitas vezes leva muitos idosos a caírem em golpes e armadilhas.
“Não é ter qualquer dívida que vai entrar na Lei do Superendividamento. Você tem uma dívida e está apertado há dois ou três meses, isso é uma coisa, mas quem pode entrar na lei de recuperação judicial é aquela pessoa física que não tem condições, que entrou de tal forma na dívida que não consegue mais sobreviver, que está num estado de falência civil. Nesse sentido, inclusive a Lei ela não protege aqueles endividados de má fé, aqueles que estão devendo absurdos, mas continuam comendo filé todo dia, ela não protege os que são devedores contumazes, protege aquelas pessoas que entraram numa situação de endividamento por circunstâncias da vida”, reitera a defensora.
Desse modo, a sanção da Lei do Superendividamento deve garantir um alento para A.L. e milhões de brasileiros que foram surpreendidos com circunstâncias adversas. A Defensoria Pública do Ceará pondera que o endividamento não diz respeito a uma falha de caráter, mas a um contexto de prejuízos e/ou perdas. “Após a vigência da Lei do Superendividamento, que deve ser usada com organização e responsabilidade, um novo final surge para tais situações. Nós, da Defensoria Pública, estamos nos organizando para bem receber e atender este público”, assevera Amélia Rocha.
CONSELHO
Por sugestão da DPCE, foi aprovado na reunião do Conselho Municipal de Defesa do Consumidor (CMDC) uma moção pela aprovação integral do texto enviado pelo Congresso Nacional. O documento será encaminhado à Casa Civil da Presidência da República.
SERVIÇO
NÚCLEO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – NUDECON
Celular: (85) 9 9409-3023
E-mail: nudecon@defensoria.ce.def.br