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“Nós somos a continuação dos nossos ancestrais”

“Nós somos a continuação dos nossos ancestrais”

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Presidenta da Associação das Mulheres Indígenas Jenipapo-Kanindé (AMLJK) e professora na Escola Indígena Jenipapo Kanindé (EIJK), Glaubiana Alves (38) é uma mulher indígena que desde cedo viu na educação um caminho para seguir lutando pelo povo do qual faz parte. Inicialmente, formou-se pelo magistério indígena, em 1999. Logo em seguida, nos anos 2000, começou a lecionar para crianças da aldeia, em Aquiraz, dando a elas a oportunidade que não teve na infância: estudar sobre a própria cultura.

“A minha vida na educação, desde a creche até o ensino médio, foi toda com não-indígenas. Eu não estudei com indígenas. O que eu não vivenciei, eles estão tendo a oportunidade de vivenciar. Aqui, a gente tem a oportunidade de trabalhar o padrão, que é toda aquela metodologia convencional, mas também temos o olhar voltado pra nossa cultura, que é o diferencial. A gente trabalha as danças, os mitos e as lendas, oportunidade que lá fora eu jamais ia ter”, destaca a professora.

O acesso dela ao ensino superior também não foi fácil. Como sempre gostou da área da educação, quando jovem, tentou primeiro cursar pedagogia em uma faculdade particular. Devido à falta de recursos para arcar com despesas como ônibus, alimentação e material didático, não pode seguir na graduação. Além disso, como vivia fora da aldeia naquele momento da vida, Glaubiana precisava trabalhar. Teve, então, que optar e acabou escolhendo a sobrevivência. O trabalho era necessário para que conseguisse se manter na cidade grande.

Mesmo com o passar do tempo e todas as experiências, a vontade de estudar mantinha-se viva. Em 2018, após 15 anos fora da aldeia, ela retornou e assumiu o papel de professora da escola indígena. Só aí ingressou no curso de licenciatura intercultural indígena da Universidade Federal do Ceará (UFC). “Eu concluí, mas sofri muito nesses espaços. Enquanto indígena, a gente escuta muita piada nos corredores quando passa. Além disso, dormíamos no alojamento dos jogadores, que é a quadra da universidade, e até armávamos rede de forma inapropriada, colocando colchões no chão, pra poder dormir”, relembra.

 

 

Agora, formada em licenciatura pela UFC, Glaubiana Alves dá aulas de arte e expressão corporal na escola indígena para as crianças da creche e do 5º ano do Ensino Fundamental. Mas sua atuação na aldeia estende-se para além da sala de aula, uma vez que, como presidenta da AMLJK, precisa estar à frente de outras articulações na comunidade. “Tenho trabalhado muito nessa linha das mulheres junto com a Associação, onde a gente faz oficinas, faz encontros e trabalha várias temáticas. Somos uma aldeia em que as mulheres se destacam muito em alguns campos. Por isso, temos tentado ocupar determinados espaços também, pra gente tá ali, junto, no coletivo.”

Neta de Cacique Pequena – a primeira mulher cacique reconhecida no Brasil -, Glaubiana tem na avó uma referência de luta e liderança. Por isso, fica emocionada ao lembrar de momentos nos quais acompanhou a avó em reuniões. Uma luta que é transmitida de geração para geração.

“Tudo é um fortalecimento entre a gente. Eu retornei para contribuir com a luta porque nós somos um povo pequeno e um a menos sempre vai fazer muita falta. Temos nos articulado pra garantir nossos direitos. É o que a gente costuma dizer: “nós somos a continuação dos nossos ancestrais”. Vamos sempre fortalecendo umas às outras.”

A dedicação das mulheres do território Jenipapo-Kanindé tem resultado numa série de mudanças para todos do território. Desta vez, Glaubiana e a família comemoram a realização do primeiro mutirão Povos do Siará, para a inclusão de etnia e mudança de nome no registro de nascimento. A ação está sendo promovida pela Defensoria Pública do Estado do Ceará (DPCE) e tem parceria com outras instituições, com o objetivo de garantir às populações originárias o direito de ter nos documentos oficiais o nome indígena.

“Você tem que fazer todas as declarações pra comprovar que é indígena e pertencente àquele povo. Se você tem uma certidão dessas, só em você apresentar, já elimina essas questões de declaração, seja pra concurso ou pra outras atividades que a gente precisa provar enquanto indígena. Essa certidão é pra gente de grande valor. Quando você chega lá e apresenta ela, já tira todas essas burocracias. Então, pra mim, é muito importante sim ter o nome da etnia no registro de nascimento. Não vai precisar eu estar discutindo com ninguém. Eu digo: ‘tá aqui meu documento’ e pronto”, idealiza.

Protocolado o processo, como fez a Defensoria, o próximo passo ainda é de luta: que o Poder Judiciário conceda o reconhecimento nos papéis oficiais. Porque esse é um direito que todos os indígenas conhecem bem: pertencer.