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“Nossa vida é ocupar esses lugares que historicamente nos foram negados”

“Nossa vida é ocupar esses lugares que historicamente nos foram negados”

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“Na nossa comunidade, as pessoas estão dispostas a trabalhar. Percebo que tanto meninos quanto meninas querem e lutam por uma oportunidade de ter o primeiro emprego”. Essa percepção é de quem já esteve na busca de uma posição no mercado, mas, não suficientes os desafios inerentes à procura de trabalho, Patrícia Alves se deparou com a discriminação por ser quem é. Hoje, a mulher travesti protagoniza uma nova história. É colaboradora da Defensoria Pública do Ceará (DPCE), algo para ela sinônimo de efetivação de direitos.

A empregabilidade como ferramenta para a visibilidade da pessoa trans é algo essencial. Primeira travesti nos quadros da DPCE, Patrícia atua no Núcleo do Idoso, em Fortaleza.“Tudo era muito novo. Eu pensava: ‘como será para essa instituição receber uma pessoa trans? Será que vão me acolher? Será que vão me tratar com estranhamento?’ Geralmente, a gente aguarda essa repulsa. Mas foi tudo oposto. Me sinto muito querida trabalhando aqui”, ressalta.

A apreensão é reflexo da discriminação que já enfrentou. Patrícia relata os desafios que a população travesti se depara na procura de emprego. “É desestimulante. As pessoas acreditam que as únicas funções que a gente pode fazer é a prostituição ou ser cabeleireira e maquiadora. As pessoas acabam não contratando e, além de não contratarem, não existe também uma qualificação para nossa comunidade. Eu enxergo que é muito mínima essa questão de oferecer cursos, especializações.”

A experiência de Patrícia com o trabalho iniciou na informalidade, ainda na adolescência, percorrendo as ruas de Fortaleza. De casa em casa, distribuía panfletos. Outra experiência foi como operadora de telemarketing. Na empresa em que atuava com atendimento ao cliente, também ocupou outras funções. Na busca de qualificação, foi aluna do curso de corte e costura e também do curso de cozinha industrial.

Mas foi nos palcos que Patrícia se encontrou. Em 2015, iniciou o curso de Princípios Básicos de Teatro, promovido pelo Theatro José de Alencar. Desde então, só fortaleceu a fé nas artes. Por 15 anos, foi integrante do coletivo artístico “As Travestidas” e atuou em produções audiovisuais de renome nacional. “A arte é algo sagrado; levo muito a sério. Ela me salvou em muitos sentidos. Acredito que é por isso que eu me dedico tanto nessas áreas que assumo. Levo a responsabilidade dos palcos para outras áreas, como trabalhar na Defensoria”, afirma ela, que no mundo artístico adota o sobrenome Dawson.

Além do posto profissional, a história de Patrícia se encontrou com a da Defensoria quando em 2019 ela buscou a instituição para mudar o nome e o gênero na certidão de nascimento. Conseguiu a nova certificação e, com ela, a garantia de ser identificada oficialmente como se sente.

Diante dessa conquista e da carteira de trabalho assinada, Patrícia compartilha o maior desejo de agora: almeja reconhecimento social e de garantias de direitos. “Meu sonho primordial é que as próximas que virão possam ter mais acesso à empregabilidade, ao direito de se profissionalizar e que essa realidade não seja uma realidade distante de nós. E que a gente possa acreditar mais nisso e que isso seja mais possível pra gente”, conta.

E ressalta: “eu desejo que tenham outras ‘Patrícias’ em todo lugar, ocupando, resistindo, existindo! A nossa vida é ocupar esses lugares que historicamente nos foram negados a vida toda.”