Posso ajudar?
Posso ajudar?

Site da Defensoria Pública do Estado do Ceará

conteúdo

“Nossas cidades são rodeadas por arquipélagos – áreas bem equipadas e estruturadas com entorno sem estrutura, sem recursos, sem infraestrutura”

“Nossas cidades são rodeadas por arquipélagos – áreas bem equipadas e estruturadas com entorno sem estrutura, sem recursos, sem infraestrutura”

Publicado em

Na última sexta-feira (19) o #NaPausa trouxe a continuação do tema “ Descontrole urbano, meio ambiente e pandemia, com o defensor público Eduardo Almendra e o professor da Universidade Federal do Ceará e pós- doutor em Geografia Humana, José Borzacchiello da Silva.

Entender como chegou e o impacto que causou. Os debatedores relembraram os primeiros alardes acerca da doença e sua chegada ao Brasil por meio de passageiros que vieram do turismo internacional. “A doença chega do exterior pela elite e aos poucos revelou as mazelas do país e que não era só ‘uma gripezinha’. Quando essas pessoas chegaram, inevitavelmente, contaminaram os prestadores de serviços (cuidadores, domésticas) e a propagação teve início. Em outros países, de condições inferiores, o lockdown conseguiu conter a disseminação mais do que no Brasil”, esclarece José Borzacchiello da Silva.

A estrutura dessas cidades se coloca como fator determinante para a propagação de doenças – no caso específico do novo coronavírus. José Borzacchiello da Silva destacou as disparidades entre as avenidas principais, onde tudo bonito, e o miolo das cidades que são invisíveis. “É o que chamo de espaços luminosos (em Fortaleza, o Centro, Aldeota, o polo da Varjota) e os opacos (interior de favelas, conjuntos habitacionais). Nossas cidades são rodeadas por arquipélagos – áreas bem equipadas e estruturadas com entorno sem estrutura, sem recursos, sem infraestrutura. Em meio a essa contradição da cidade, quem terá mais chances de se contaminar? Com certeza os mais desprovidos”, diz.

“Das medidas sanitárias, por exemplo, nem todos têm acesso. Existe um descontrole urbano onde poucos conseguem seguir o que é imposto. A desestruturação urbana, que reflete as áreas onde o urbano sequer chegou, facilitam a contaminação, não só da Covid-19, mas de qualquer doença”, reforça o professor.

Quando a questão fala especificamente da moradia, os questionamentos crescem. Para o professor, é um paradigma. “Como ficar isolado quando não se tem moradia ou quando a casa não tem condições de acomodação? O direito à cidade, de se sentir realmente cidadão, fazer parte da cidade, está em falta. Não só moradia, mas as condições de acesso às medidas básicas”, atesta.

Para o professor diante desse desequilíbrio está o cidadão – que tem direitos e deveres; e que vai criar condições para uma vida coletiva e satisfatória. Mas, o fato é que em nossas cidades, “umas pessoas têm mais direitos que os outros. É a estratificação de cidadania, na verdade uma cidadania negada. Em meios aos 25 milhões desempregados, é fato que irão para a rua tentar fazer bico. Nem todos irão poder fazer as mesmas escolhas, já que o trabalhador assalariado não tem condições de desfrutar da sua vida se não há estrutura de fiscalização para a garantia de direitos”, frisa.

Para o defensor o tema reforça a conscientização de que a cidade não é neutra e argumenta sobre quais os passos para um plano de retomada seguro. “Como vamos conseguir manter o controle sem uma segunda onda de contaminação?”. Em resposta, Bozarchiello afirma que para ele é necessário um processo de disciplinamento que entenda o que é cultura popular. “As medidas devem também respeitar aquilo que representa a tradição do povo. As feiras aqui no Nordeste são algo parte da vida das pessoas. Para elite o ponto de encontro pode ser a Beira-Mar, mas para a população da periferia são as feiras, o lugar de encontro, de trabalho, de solidariedade. Então, os órgãos de gestão precisam criar condições sanitárias para que tudo vá voltando à normalidade, respeitando a cultura popular”, enfatiza.