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Condege aponta que decreto do mínimo existencial não possui “validade, juridicidade e eficácia”

Condege aponta que decreto do mínimo existencial não possui “validade, juridicidade e eficácia”

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Em nota intitulada “A inconsistência do Decreto 11.150/2022 e o esvaziamento inconstitucional da Lei 14.181/2021”,  assinada pelo Conselho Nacional de Defensores e Defensoras Gerais, em 28 de julho, a Defensoria Pública brasileira traz sua preocupação com decreto que dispõe sobre o chamado mínimo existencial, conceito essencial para a definição da pessoa superendividada conforme a Lei do Superendividamento (Lei 14.181/2021) que, há um ano, atualizou o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Pelo decreto, o valor mínimo necessário à sobrevivência dos superendividados será de 25% do piso nacional vigente, ou seja, R$ 303,00.

Defensores de todo o país trouxeram a preocupação diante da realidade de mais de 44 milhões de pessoas brasileiras superendividadas. Na nota, o Condege afirma que o decreto “estimula o fornecimento de crédito irresponsável, pois autoriza que as instituições financeiras realizem empréstimos desde que a prestação mensal preserve apenas R$ 303,00 da renda mensal do devedor, em evidente abuso de direito e em contrariedade aos art. 6o, inciso XI, e 54-D, inciso II, do CDC”.

Para a supervisora do Núcleo do Consumidor da Defensoria do Ceará, Amélia Rocha, “o Decreto 11.150/2022 é ilegal e inconstitucional, carecendo de validade e eficácia, pois ignora os princípios da lei que visa regulamentar. Com 25% de um salário mínimo – valor inferior a uma cesta básica – como mínimo existencial é impossível a formulação de um plano de pagamento o que propicia a ampliação da miséria e de uma escravidão bancária. Considerá-lo válido é matar o procedimento do Superendividamento, que, após muita luta, foi conquistado com a Lei 14.181/2021”, disse a defensora. 

Segundo a supervisora, a medida é tão desproporcional que faz justamente o contrário do que tinha a finalidade. “O Decreto não protege a renda do consumidor, tanto que o valor é inferior ao próprio Auxílio Brasil (R$ 600,00), estabelecido pelo mesmo Governo como mínimo existencial aos brasileiros vulnerabilizados pela crise econômica. Além disso, entrega aos bancos todo o restante da renda renda da pessoa que já está superendividada (se ganhar, por exemplo,  3 salários mínimos – R$ 3.636,00 poderá entregar aos bancos R$ 3.333,00), contrariando a própria Lei que visava regulamentar”. Para os defensores públicos brasileiros, o decreto não possui “validade, juridicidade e eficácia”, pois jamais uma regulamentação pode contrariar a lei que é subordinada. 

Entenda mais – A Lei 14.181/2021, promulgada em 01/07/2022, atualizou o Código de Defesa do Consumidor Brasileiro, inserindo normas para prevenção e tratamento do

superendividamento. Dois pontos essenciais desta Lei foram a definição da pessoa superendividada e a preservação do mínimo existencial, cujo conceito seria objeto de regulamentação posterior. A regulamentação foi dada pelo Decreto Presidencial 11.150/2022, publicado essa semana. 

Para os defensores brasileiros, o Decreto é passível de nulidade por desrespeitar o sentido da Lei 14.181/2022, que é a prevenção e tratamento do superendividamento como forma de evitar a exclusão social do consumidor. “O regulamento publicado, entretanto, contradiz as diretrizes da norma a que é subordinado, criando, na prática, uma inadmissível e paradoxal situação de estímulo ao superendividamento e de violação de direitos dos consumidores, especialmente daqueles em situação de especial vulnerabilidade”.

Na Nota Técnica, os defensores enumeram por pontos os problemas da nova medida:

1. A Organização das Nações Unidas (ONU) aponta que está na linha da miséria quem sobrevive com até U$ 1,90 por dia (R$ 304,95 ao mês, no câmbio de hoje).

2. O mínimo existencial estabelecido como um valor fixo e calculado sobre o salário mínimo (25% deste) sequer comporta a aquisição de uma cesta básica, e também não referencia quantas pessoas seriam sustentadas por aquela renda (uma família com 1 pessoa tem o valor que uma família com 4 integrantes, por exemplo).

3. A medida não traz nenhuma proteção a consumidores hipervulneráveis, em especial os idosos.

4. Prevê expressamente que a perda do poder de compra (inflação) não seja considerada na análise do mínimo existencial.

5. O Decreto, viola frontalmente o CDC ao excluir determinadas dívidas de consumo do conceito de mínimo existencial.

6. Não há sentido lógico em se desconsiderar o custo do crédito para aquisição de moradia no cálculo do mínimo existencial. Qual seria o fundamento para que não seja considerado uma despesa essencial?

7. Paradoxalmente, a pessoa consumidora corre o risco de contrair novas dívidas somadas às dívidas de consumo, resultando na completa ausência de renda para o consumidor.

8. Autoriza que as instituições financeiras realizem empréstimos chegando a 75% da renda do consumidor (desde que a prestação mensal preserve apenas R$ 303,00 da renda mensal do devedor)

9. O decreto contraria o artigo 5o, inciso XXII, da Constituição Federal, e a própria lei que visa regulamentar, sendo desprovido, portanto, de validade, juridicidade e eficácia.

10. A finalidade de regulamentar, portanto, não foi devidamente cumprida já que, ao se proceder todas as exclusões previstas, não restará qualquer proteção de renda ao consumidor, a quem restará continuar a dever e não pagar, sendo um excluído da vida econômica.