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“O cuidar é historicamente dividido de forma desigual”, diz professora que debate o tema saúde mental e gênero nesta quarta

“O cuidar é historicamente dividido de forma desigual”, diz professora que debate o tema saúde mental e gênero nesta quarta

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A pandemia do novo coronavírus impactou a saúde mental e aspectos comportamentais de homens e mulheres, mas pesquisas mostram que foram elas as mais afetadas emocionalmente. O acúmulo de papéis e a ansiedade afetam as mulheres de forma intensa e a Defensoria irá promover em comemoração ao mês da mulher, durante a programação Março de Lutas, da Escola Superior, a I Jornada de Mulheres, que versa sobre a saúde mental e gênero. A jornada será aberta ao público pelo Youtube e acontece nesta quarta (17), às 17h30.

Segundo a pesquisa “Women’s Forum”, realizada pela Ipsos com entrevistados dos países do G7 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido), o alto impacto da crise do novo coronavírus é notório no bem-estar feminino. Os participantes da pesquisa – de ambos os gêneros – identificaram, a partir de uma listagem, quais situações estavam vivenciando como consequência da Covid-19. Entre as mulheres, 59% disseram estar com ansiedade, depressão e/ou esgotamento mental e físico. Além disso, 73% das pessoas ouvidas afirmaram ter medo do futuro. Embora o percentual dos homens com mesmos sentimentos seja menor, ele também não pode ser desconsiderado. É notório o que os especialistas chamam de quarta onda do novo coronavírus: a saúde mental da população ficou comprometida com os danos que essa pandemia têm trazido.

No Brasil, pesquisa do Gênero e Número e Sempreviva Organização Feminista mostrou a gravidade do tema. Segundo levantamento feito com 2.641 entrevistadas, 50% das mulheres brasileiras passaram a cuidar de alguém na pandemia. Do total, 41% afirmaram trabalhar mais na quarentena. O isolamento social colocou em risco o sustento dos lares para 40% delas. Além disso, segundo a Organização Mundial do Trabalho (OIT), são as que mais comprometem sua renda e emprego com a crise econômica.
“São mulheres que cumprem dupla jornada, acompanham o desenvolvimento escolar dos filhos e, com a pandemia, geraram as preocupações relacionadas ao próprio vírus, com a iminência de contaminação, necessidade de mudanças de hábitos de higiene, redução de convívio social, familiares adoecidos. Todas as circunstâncias que estamos vivemos são gatilhos que podem comprometer a saúde mental”, destaca a psicóloga Andreya Arruda Amêndola, coordenadora do serviço psicossocial da Defensoria Pública do Estado (DPCE).
Durante o ano de 2020, a Defensoria registrou 27.153 atendimentos do serviço psicossocial. Isso representa 34,54% de aumento em relação a 2019, quando foram feitos 20.181 atendimentos, e um recorde desde a criação do setor, em abril de 2016. Em relação a 2017, primeiro ano no qual o Setor Psicossocial teve estatísticas completas, de janeiro a dezembro, o crescimento é de 57,40%. De acordo com Andreya, a maioria dos atendimentos do ano de 2020 foram voltados para o público feminino.
“Qualquer pessoa está passível de sofrer um transtorno mental em alguma fase da vida, por questões internas e externas. O que ocorre é que a mulher tem mais acesso aos seus conteúdos emocionais, expressando mais livremente a sua emotividade do que o homem que, por exemplo, aprende desde cedo que ‘homem não chora’ porque é um sinal de ‘fraqueza’. A nossa cultura ainda permanece machista e isso é internalizado desde a infância”, conclui Andréa.
Foi o caso da comerciante Joice Ribeiro, de 36 anos. Além das atividades domésticas, do trabalho em regime remoto, do acompanhamento nas atividades escolares dos filhos e da preocupação gerada em contaminar outros integrantes da família, após contrair o vírus, ela buscou atendimento da Defensoria para entrar com o divórcio, que findou em plena pandemia. “Esse coronavírus, além de ser uma doença super cruel fisicamente, tem deixado muita gente louca mesmo. E o meu juízo só piorou com toda essa carga. Estou arrasada em várias frentes: psicológica, física, financeira e emocionalmente. Não sabia que a Defensoria Pública também tinha esse suporte psicológico. Para mim, foi uma surpresa, porque, além de terem dado entrada nos papéis da separação, a equipe ainda ficou me acompanhando, conversando comigo e dando esse suporte. Foi muito importante mesmo”, revela.
A professora Dra. do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília (UNB), Valeska Zanello, que coordena o grupo de estudo Saúde Mental e Gênero da UNB, avalia a saúde mental do público feminino durante o período. “Com certeza a saúde mental das mulheres está sendo mais afetada do que a dos homens durante essa pandemia, porque elas têm sido demandadas num trabalho que é invisibilizado, que é o cuidar, historicamente dividido de forma desigual”, destaca Zanello.
A professora explica que, desde o século XVIII, que foi o século de consolidação e avanço do capitalismo, houve uma divisão sexuada do trabalho. Tudo aquilo que era feito no âmbito público foi relacionado aos homens como trabalho digno de reconhecimento, status e de remuneração. “Já as mulheres, por serem portadoras de útero, foram relacionadas ao cuidar dos filhos e das atividades domésticas. Então, a pandemia escancarou essa desigualdade através de fissuras marcadas pela interseccionalidade da classe social e da raça. De um lado, temos quem muito cuida, que são as mulheres negras e que pouco recebem cuidados, seja no âmbito pessoal ou de políticas públicas. Por outro lado, temos aqueles que mais recebem cuidados e menos cuidam, que são os homens, brancos, heterossexuais e de classe média alta ou ricos”, complementa.
Além do cansaço físico e esgotamento emocional, outros sintomas que as mulheres apresentaram durante esse período foram a Síndrome de Burnout, também conhecida como Síndrome do Esgotamento Profissional, além de ansiedade, depressão e transtornos de estresse pós-traumático. “Os cuidados que essas mulheres precisam receber vai depender da possibilidade de cada uma, mas é importante descobrir um momento para si mesma, onde essa demanda de estar disponível para o outro não aconteça e se tenha o exercício de atividades prazerosas. O ideal é que se busque ajuda com as amigas ou grupo de mulheres que passam pelas mesmas questões”, complementa Valeska Zanello.
A diretoria da Escola Superior da Defensoria Pública percebendo o esgotamento profissional de mulheres que compõem a instituição, como defensoras públicas, servidoras, colaboradoras, estagiárias, realiza nesta terça-feira, dia 16 de março, a I Jornada de Mulheres da Defensoria. O evento será às 14:30, na plataforma Zoom e transmitido pelo youtube da instituição.
O evento, todo virtual, terá a presença da defensora Jeritza Braga, titular do Núcleo de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher (Nudem). O setor psicossocial também se fará presente, com a participação da coordenadora Andreya Arruda. São convidadas a professora do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília, Valeska Zanello, que coordena o grupo de estudo Saúde Mental e Gênero da UNB, e a defensora pública do Estado da Bahia, Firmiane Venâncio, mestra pelo Programa de Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo da Universidade Federal da Bahia.

Conheça um pouco sobre as mulheres que participarão desta Jornada: