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“O mutirão transforma de fato: vai transformar a minha vida” 

“O mutirão transforma de fato: vai transformar a minha vida” 

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Mikaela Costa de Sousa, ou, como gosta de ser chamada, Mika, tem 18 anos e é a mulher trans mais jovem a compor a lista de certidões a serem entregues na manhã desta sexta-feira (30.06), dentro da segunda edição do Transforma. A ação desenvolvida pela Defensoria Pública do Ceará (DPCE), vai fazer com que mais 206 pessoas trans possam renascer, mas desta vez com um nome que elas se identificam.

Residente do município Caucaia, Mikaela iniciou o seu processo de transição aos 15 anos. De acordo com ela, aos 14 se assumiu como um garoto gay, mas que, no fundo, sempre se sentia diferente. “Eu olhava para o universo feminino e via aquilo e queria aquilo para mim. No entanto, eu me negava porque querendo ou não eu tinha muito medo da reação dos meus pais e da minha família. Enfim, eu também tinha medo por mim, sabe? Eu não aceitava esse meu lado. Então eu passei os meus 14 anos me negando, mas não durou muito tempo”, desabafa.

Destaca o apoio de sua mãe na sua jornada. “Eu sentei com a minha mãe e falei ‘olha eu sou uma mulher trans, eu quero iniciar minha transição, quero tomar hormônio, quero deixar meu cabelo crescer e ser a mulher que eu sou’. A minha mãe sempre me apoiou, mas como nem tudo são flores, tive pessoas como o meu pai e alguns parentes que mudaram comigo. Mas, em contrapartida, eu tenho a minha mãe, é uma coisa que eu sempre digo ‘se não fosse a dona Maria Cristiane eu não seria Mikaela Costa hoje’”, pontua. 

Embora haja preconceito, Mika aposta no amor para superar as barreiras. “Eu amo meu pai, gosto dele e tenho muito respeito por ele, porque na minha infância ele foi um pai ótimo. Mas a partir do momento que comecei a me mostrar uma mulher trans, ele mudou comigo. Querendo ou não, ele ainda me ama e acredito nisso, mas ainda tem uma barreira na nossa relação”, declara. 

E se emociona quando questionada sobre o que diria para uma adolescente de 15 anos que passa pelo que ela passou. “Eu ia falar ‘calma, vai dar tudo certo?’. Essas pessoas que estão querendo te entristecer não vão conseguir, tu é mais forte que isso, tu vai conquistar todos os seus objetivos, só tenha paciência, hormônio não age do dia pro outro, teu cabelo vai crescer, tu vai conquistar tudo que tu quiser. Se apega mais na tua mãe, nas tuas amigas porque elas são a sua base”, conclui. 

Do alto dos seus 18, pensa no amor e no trabalho e já sente que terá – como a maioria da população trans – dificuldades. Mulher trans e preta, ela sabe que carrega muito mais que uma bandeira a ser balançada. Mesmo jovem, já enfrentou o racismo e a transfobia. “O âmbito amoroso é bem complicado, a mulher trans sempre tem dificuldade de encontrar alguém, e quando um cara quer se relacionar com a mina trans ele, quer uma mais padrão. Eu nunca sofri de fato o racismo de um garoto falar ‘eu não te quero porque tu é negra’, mas você percebe aquele racismo velado sabe? Você ser trocada por uma mina branca e cis. Confesso que com alguns garotos que eu já lidei, tive uns certos gatilhos, porque eles estavam conversando comigo e do nada mudam completamente. Quando eu menos espero eles postam fotos com meninas brancas. Isso já foi uma questão muito dolorosa para mim”, discorre. Da negritude da pele, tem orgulho. “Eu sou preta, me autodenomino preta e odeio quem me chama de morena, mas eu não recebo os mesmo olhares que uma mulher preta retinta”. Lembra disso porque sabe que não é lida como uma mulher negra. 

Sabe que a vida vai mudar nesta sexta. “Eu só tenho a dizer que o mutirão Transforma de fato, vai transformar a minha vida. Eu percebi que por meio da união a gente consegue, sim, correr atrás dos nossos direitos e de fato a nossa identidade. Eu estou muito feliz porque eu vou ser respeitada civilmente não importa nenhum tipo de preconceito que eu vá sofrer aquela pessoa vai ter que olhar para mim e me tratar como Mikaela no pronome feminino porque na certidão vai estar lá”, ressalta. Não se cabendo de alegria, chega na Defensoria de mãos dadas com a mãe. “A felicidade que eu tenho, eu não sei nem explicar”.

No futuro, já breve, quer ser artista. “Eu confesso que tenho vários sonhos, creio que nasci com a veia artística muito grande, embora minha família não tenha ninguém do meio. Também gosto de atuar, já produzi e participei de um curta. Sobre faculdade eu penso em algo mais formal, talvez administração”, afirma.