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Os efeitos jurídicos de um desaparecimento e o papel da Defensoria Pública

Os efeitos jurídicos de um desaparecimento e o papel da Defensoria Pública

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O conceito de pessoa desaparecida ganhou notoriedade em 2019 quando houve a implementação da Lei Nº. 13.812, estabelecendo a Política Nacional de Busca e o Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas. A legislação definiu como pessoa desaparecida “todo ser humano cujo paradeiro é desconhecido, não importando a causa de seu desaparecimento, até que sua recuperação e identificação tenham sido confirmadas por vias físicas ou científicas”.

Além da definição legal, a lei determinou a implementação de serviços de atenção psicossocial às famílias dos desaparecidos e reconheceu que a busca é uma prioridade em caráter de urgência para o Estado. Em relação a isso, atribuiu às autoridades a responsabilidade de definir diretrizes de investigação, coordenar ações de cooperação operacional e consolidar as informações sobre casos de desaparecimento.

A Defensoria Pública do Estado do Ceará (DPCE) é uma das instituições que dá suporte à família, seja pelo Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas ou pelo projeto Rede Acolhe, quando o desaparecimento da pessoa acontece no contexto de violência. A instituição tem como objetivo assegurar a assistência jurídica, propiciando explicações quanto aos direitos, contribuir com o acesso às informações sobre os inquéritos e acompanhar os processos judiciais ou administrativos, facilitando o diálogo.

“As pessoas chegam até a Defensoria Pública depois de já terem percorrido várias instituições e estarem esgotadas, tanto de forma física, mas principalmente de forma emocional. É muito desesperador você não saber o paradeiro do filho, da filha, do pai ou da mãe. O que fazemos aqui, primeiramente, é acolher com uma escuta humanizada e, em seguida , providenciar as questões judiciais necessárias, como, por exemplo, o cancelamento de um financiamento perante o banco, ou a entrada de algum benefício”, pontua Mariana Lobo, supervisora do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas.

O belo-horizontino Otto Lucio Pessoa Aguilar, de 41 anos, publicou denúncia de homofobia e racismo um dia antes de ser visto pela última vez, na praia de Jijoca de Jericoacoara, a 283km de Fortaleza, Ceará.  Ele telefonou para a mãe contando de uma agressão. “Meu filho era um homem negro, homossexual e tarólogo. Então, sofreu uma série de crimes apenas pela condição de existência dele. Quando nos falamos ao telefone, ele disse que teve uma desavença com o dono do bar e que esse homem ameaçou ‘chamar os caras’ para ele, caso não saísse. Ele apanhou muito e me ligou por um celular emprestado, dizendo que precisava voltar urgente”, relembra Maria Lúcia Pessoa Santos.

O último registro de Otto foi no dia 18 de setembro de 2022 em uma UPA da vila de Jericoacoara. Depois, sua identidade não foi registrada em mais nenhum órgão. Dona Lúcia chegou a colher o material genético para ajudar nas buscas, mas em teste em dois corpos encontrados, nenhum era de Otto.  O caso está sendo investigado, desde setembro de 2022, pela 12º Delegacia do DHPP, que investiga desaparecimentos no Ceará.

A mãe, aos 73 anos, fica com a voz embargada ao telefone relembrando toda a história do filho. “Eu já tinha perdido um filho e desde o ano passado não temos notícias do Otto. Eu não sei explicar como está o meu coração, mas contar aqui para você faz parte também desse processo de buscar informações, de espalhar a foto dele para as redes sociais, para os sites de notícias, é uma expectativa e uma esperança muito forte que caminham comigo também para que um dia ele seja encontrado”, complementa dona Lúcia.

Nas redes sociais, Otto se apresenta como um “Guru das Celebridades”. Ele descreve no seu perfil que viajou por mais de 100 cidades diferentes em 14 países europeus. Em alguns perfis, o tarólogo também é descrito como mochileiro. Em seu perfil das redes sociais, há publicações posteriores ao desaparecimento, porém ainda não há como saber se realmente foram feitas por ele.

 

A Defensoria Pública auxiliou os familiares no processo de encerramento de contas bancárias e encaminhou ofícios às operadoras de celulares para saber se havia alguma vinculação do CPF de Otto em linhas telefônicas. A defensora Mariana Lobo pontua que a assistência aos familiares é extremamente complexa, porque independente das circunstâncias do desaparecimento, eles enfrentam a incerteza sobre o que aconteceu e navegam entre a angústia da espera e a expectativa do encontro.

“A incerteza e a esperança aprisionam as famílias em buscas, e, muitas vezes, em um luto que nunca se realiza. Não são poucos os prejuízos econômicos, sociais ou jurídicos, e as consequências à saúde destas pessoas. Elas passam a viver isoladas, imaginando que o desaparecimento é uma tragédia individual e quando informações mais claras se tornam disponíveis sobre a quantidade e o perfil de casos de desaparecimento, não só as autoridades têm melhores condições de endereçar o problema, como as próprias famílias podem entender que não são as únicas a viver aquele drama”, destaca a defensora pública.

A lei como instrumento – Existem nas legislações brasileiras algumas regras que tratam dos efeitos jurídicos, das consequências do desaparecimento de pessoas e das necessidades dos familiares. Assim, a Defensoria auxilia a encontrar estes instrumento, tais como a Declaração de Ausência, a nomeação do curador para a ação de sucessão provisória dos bens e a morte presumida – um instituto jurídico que permite a constatação do término da existência da pessoa natural diante da grande possibilidade de seu falecimento.

São três as possibilidades de se presumir a morte de uma pessoa presentes no Código Civil, sendo que uma delas exige prévia declaração de ausência.

A morte pode ser declarada por decisão judicial nas situações em que é altamente provável, ainda que não comprovada. Ela somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento. A legislação é clara quanto às hipóteses para esse caso: se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida; ou se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra.

Há ainda uma situação prevista na Lei nº. 9.140/1995 que autoriza a presunção de morte sem prévia declaração de ausência. É o caso das pessoas desaparecidas no período do Regime Militar de exceção vigente no país, incluindo período pré-Golpe e pós-Golpe, entre 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988.

Exceto nessas três hipóteses, não se pode presumir a morte da pessoa sem que o prévio procedimento da declaração de ausência, que ocorre quando a pessoa desaparece do domicílio havendo dúvida quanto à sua existência. Nesse caso, é necessário que se instaure um processo para que possa o juiz decretar a ausência para que, posteriormente, seja declarada a morte presumida.

Outro instituto, o da morte presumida, é o mais complexo aos familiares porque eles assumem ao Estado a condição de falecido, diante da ausência por mais de 10 anos. Mas este instituto é importante para a chamada sucessão provisória, que é o efeito de dar conta dos bens do ente desaparecido.

Por fim, apenas decorridos dez anos da Declaração de Ausência poderá ocorrer a abertura da sucessão definitiva e declaração da morte presumida.

“Em todos os casos a Defensoria Pública deve ser acionada. Como integramos um Comitê, sabemos quando toda a rede de proteção e de garantia de direitos é acionada, porque o desaparecimento é um fato complexo. Há uma repercussão civil, penal e psicológica para a família da vítima e quando o desaparecimento se estende por meses ou anos é um luto sem fim e questões práticas precisam de um encaminhamento”, pontua a defensora.

A Defensoria criou uma cartilha de apoio aos parentes e familiares. Clique aqui para acessar. O material oferece um passo a passo e está dentro da campanha Desaparecidos, uma ausência presente. Assinam conjuntamente Defensoria Pública do Ceará, Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará (SSPDS), Secretaria de Direitos Humanos, Ministério Público do Ceará, Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce), Polícia Civil do Estado do Ceará, a Assessoria Especial da Vice-Governadoria e o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV).

Serviço
Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas da Defensoria Pública do Ceará
Av. Senador Virgílio Távora, 2184, Dionísio Torres. Telefone: (85) 3194-5049

12ª Delegacia do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP)
Endereço: Rua Juvenal de Carvalho, nº 1125, bairro de Fátima, Fortaleza/CE.
Telefone: (85) 3257-4807
E-mail: 12dp.dhpp@policiacivil.ce.gov.br
Instagram e Facebook: @desaparecidosdhppce

O Ministério Público atua pelo Centro de Apoio Operacional da Cidadania – CAOCIDADANIA
Endereço: Av. Antônio Sales, 1740, Dionísio Torres, Fortaleza/CE
Telefone: 85 3252-6352

Núcleo de Apoio às Vítimas de Violência (NUAVV)
Endereço: Avenida Desembargador Moreira, 2930 A, 2o andar, Bairro: Dionísio Torres, Fortaleza/CE
Telefones: (85) 3218-7630 / 9 8563-4067

Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos do Ministério Público do Estado do Ceará (PLID)
Email: plidce@mpce.mp.br
WhatsApp: (85) 9.8685-8049

Núcleo de Enfrentamento ao Desaparecimento de Pessoas da Secretaria dos Direitos Humanos
Endereço: Rua Valdetário Mota, 970, Papicu – Fortaleza, CE.
Telefone: (85) 9 8439-3459