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“Para sobreviver, temos que dizer que somos indígenas”

“Para sobreviver, temos que dizer que somos indígenas”

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Tem a simplicidade de quem nasceu conhecendo os encantados e os caminhos das matas, mas também enfrentou os desafios da falta de reconhecimento e respeito. Pajé João Alves (57) lembra que, antigamente, para sobreviver, a fala tinha que ser baixa ali pelos arredores de Aquiraz. “Não podíamos dizer que éramos indígenas. Tínhamos que calar. As pessoas nos conheciam apenas como ‘os cabeludos da Lagoa Encantada’. Era assim que nos chamavam. A gente se guardava escondidos na mata e apagávamos nossos rastros para não sermos perseguidos”, rememora o Jenipapo-Kanindé.

Filho de Cacique Pequena, matriarca maior da comunidade, ele tem a consciência da sua força e a convicção de quem sabe a quem pertence. Se dedica ao fortalecimento de seu povo e ao dom da cura. “Há seis anos, sou pajé da minha comunidade. Tenho a oportunidade de colocar em prática o dom que nasceu comigo. Eu não aprendi a curar; é dom dado por Deus para curar o povo e esse é também o meu trabalho aqui dentro”, celebra.

O fortalecimento e reconhecimento da identidade indígena segue sendo uma grande luta travada com afinco e com voz, antes silenciada, porém, agora ecoada aos quadros cantos, como bem diz Pajé João. “Hoje, para sobreviver, temos mesmo é que falar. Dizer que somos indígenas, que merecemos ter respeito, que temos identidade, que somos esse povo na nossa reserva e aldeias e que estamos aqui, firmes”, frisa.

Para o Pajé, a iniciativa da Defensoria Pública de promover um mutirão para incluir a etnia indígena na certidão de nascimento simboliza um importante pontapé. “Quando recebemos a proposta de termos esse momento foi uma alegria, pois precisamos reforçar o entendimento que o indígena não é apenas um quadrinho de televisão, uma caracterização sem uma história, uma cultura. A partir desse dia, novas portas para todas as aldeias poderão ser abertas e para isso queremos a Defensoria Pública junto com a gente”, comemora.

 

 

DIVERSIDADE E UNIÃO
Alegria, proteção, respeito e valorização. Essas são algumas das palavras estampadas nos cartazes que dão boas-vindas dentro das salas de aulas. As mensagens das crianças representam a luta e o anseio que se desdobram entre gerações. Os pequenos esperam e se espelham na força dos mais velhos para também seguirem. “A celebração da diversidade da cultura indígena remete à essencialidade da união entre nossos povos. Precisamos nos unir para o movimento melhorar e nossas crianças terem essa referência cada vez mais resistente. Quando a gente se une, a força é maior; fica como um fogo. Quando o indígena trabalha em unidade com o seu povo, ganha força”, realça o Pajé.

As batalhas, no entanto, não impedem os sonhos de Pajé João, que concluirá, no próximo ano, o ensino médio por meio do programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA), e já planeja o próximo degrau: a graduação em Direito. A escolha do curso não é à toa, mas se firma nos lombos de um homem que quer mais para os seus. “Eu já vivo a luta constante para assegurar o acesso aos nossos direitos básicos, para sermos afirmados dentro da sociedade. Quero trazer o conhecimento para dentro da aldeia. Quero defender o meu povo!”.