Reforço na autonomia das pessoas com deficiência altera as regras para curatela
Cuidar de alguém, às vezes, pode ultrapassar cuidados meramente físicos. Nos termos jurídicos, chama-se de curatela a função, atribuída pela Justiça, para que um adulto proteja, zele, guarde, oriente, responsabilize-se e administre os bens de pessoas declaradas judicialmente incapazes. Desde janeiro deste ano, quando entrou em vigor o Estatuto da Pessoa com Deficiência, foram implementadas mudanças sensíveis sobre esta matéria, pois ficou assegurado à pessoa com deficiência “o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas”.
Segundo a nova legislação, a curatela passa a ser medida de exceção, restrita aos atos de natureza patrimonial e negocial, na forma dos parágrafos 1º e 3º dos artigos 84 e 85 da lei, a ser adotada quando e, na medida em que for necessária e embasada de motivos e razões para sua definição, preservando os interesses do curatelado, por tempo preestabelecido. “A definição de curatela da pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível”, conforme preceitua o artigo 84 do Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Esta significativa mudança já tem sido percebida no cotidiano das Varas de Famílias do Fórum Clóvis Beviláqua. Segundo a defensora pública e supervisora das Defensorias de Família, Sucessões e Registros Públicos, Denise Castelo, a implementação do Estatuto tem indicado que o Juízes analisem cada caso individualmente. “Antes os pedidos de interdição costumavam ser mais genéricos e as decisões judiciais mais abrangentes, restringindo direitos e deveres de forma ampla, sem perseguir as limitações individuais de cada um e não se atentando para os atos que cada interditando era capaz de praticar”, explica.
Ela explica a necessidade de que o laudo pericial, que irá dar apoio a decisão judicial, seja o mais específico possível, com menção aos atos da vida civil que o sujeito pode praticar, tais como o direito de comprar e vender, votar, casar e divorciar, não cessando, assim, sua participação da vida civil como um todo e sim na medida de sua incapacidade. As decisões devem justificar as razões pelas quais limita a capacidade do sujeito para a prática de determinados atos, sendo a curatela “proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível”.
Deficiente eficiente – O Estatuto da Pessoa com Deficiência modifica o regime das incapacidades no atual Código Civil e retira do portador de deficiência intelectual a condição de incapaz. Segue, portanto, a tendência de modernização das normas processuais e confere prestígio e autonomia às pessoas com deficiência.
Segundo a Coordenadora de Políticas Públicas para a Pessoa com Deficiência, Rebecca Cortez Dauer, o novo Estatuto da Pessoa com Deficiência é uma ferramenta que dá respaldo as pessoas com deficiência, a fim de exercerem seu papel em diversas esferas sociais e econômicas, e traz a inclusão em sua totalidade. “O Estatuto traz mudança em relação as ações que devem ser tomadas perante a pessoas com deficiência, antes as ações eram voltadas a preparar aquela pessoa para viver em sociedade, hoje já temos a total percepção que é a sociedade é quem precisa se ajustar para receber todas as pessoas em igualdade de direitos na sua totalidade”.
No que tange à curatela, a coordenadora afirma ser de extrema importância a ratificação dos direitos civis dessas pessoas. “A pessoa com deficiência tem assegurado sua participação plena e capacidade civil preservada, respeitando sua autonomia em questões individuais, sendo incapacitadas dessas práticas e a necessidade de curatela apenas em casos extraordinários”.
Com a nova lei, a curatela não deverá alcançar nem restringir direitos de família (como casar e ter filhos), de trabalhar, direito de votar e ser votado, por exemplo. É o caráter de excepcionalidade que impõe ao juiz a obrigatoriedade de fazer constar da sentença as razões e motivações para a curatela específica e seu tempo de duração.
Assim, legislação surge como demanda social e ferramenta que busca valorizar e respeitar as individualidades de cada deficiência. “O Estatuto da Pessoa com Deficiência trata-se de um sistema normativo inclusivo, que homenageia o princípio da dignidade da pessoa humana, na medida que almeja que o sujeito com deficiência deixasse de ser taxado como incapaz de forma plena, dotando-o de capacidade legal, ainda que haja a necessidade de adoção de institutos assistenciais específicos, como a tomada de decisão apoiada e a curatela, para a prática de atos na vida civil”, destaca a supervisora e defensora publica, Denise Castelo.