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“Silenciar é ajudar a perpetuar o racismo”

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napausa15

A Escola Superior da Defensoria Pública (ESDP) e a Associação de Defensores do Ceará (Adpec) realizaram nessa segunda-feira (15/6) mais uma edição do #NaPausa, o programa de transmissões ao vivo sobre temas de interesse público. Debateram “O papel do Sistema de Justiça no Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa” a defensora Lia Felismino e a coordenadora do Grupo de Atuação Especial de Proteção dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação do Ministério Público da Bahia (MPBA), promotora Lívia Vaz.

Lívia explicou que, sozinho, o Direito não consegue mudar a realidade do racismo e da intolerância. É fundamental a implementação de políticas públicas. “É preciso conhecer o contexto para aplicar corretamente essa pauta jurídica. Esse combate não é possível apenas com o Direito Criminal, pois este não traz igualdade racial nem a efetividade de igualdade de direitos. É necessário associá-lo com a promoção de igualdade e políticas públicas eficientes com o movimento negro, social, articulações e olhar para dentro, questionar o porquê da ausência de pessoas negras e que tipo de serviço é oferecido.”

Para Lia Felismino, o tema levado ao #NaPausa permite a percepção do silêncio que existe acerca dessa realidade. “Tratar esse assunto faz com que façamos um raio-x dessa estrutura de poder que, na maioria das vezes, não quer falar sobre racismo, gênero, aplicando a norma da neutralidade”, ponderou a defensora. Uma luta onde, como explicou Lívia Vaz, “alguém tem que perder. Mas não é perder direitos. É perder privilégios.”

A promotora também enalteceu o mito da visão do negro como inimigo ficcional para justificar reações de necropolítica. “Não é apenas a morte física, não menos cruel. É também a morte existencial, com a omissão dos poderes públicos e do Sistema de Justiça em assegurar direitos fundamentais. A aplicação da indenização por danos morais também deve ser feita, como reparação, no caso de abordagens policiais de cunho racista. É um direito. Claro, não vai resolver. Mas é um mecanismo para que as pessoas entendam que não podem fazer. O racismo e a intolerância ocasionam danos psíquicos. Existem possibilidades de atuação não exploradas e que precisa ser”, destacou Lívia Vaz.

A influência de espaços acadêmicos na promoção de debates antirracistas e, principalmente, na formação de juristas antirracistas também foi frisada no #NaPausa. “O Direito precisa ter novas perspectivas. E contar com apoio das universidades para problematizar é essencial. Na minha formação, só fui começar a entrar em contato com esse assunto porque um grupo de trabalho do mestrado me convidou. Não foi apresentado pelos meus professores”, pontuou Lia Felismino.

A defensora criticou a comum invisibilização das demandas dos povos de terreiros, mesmo esses espaços sendo, na verdade, fundamentais, conforme também enalteceu a promotora baiana, para a sobrevivência da população preta. “Eles têm demandas como regularização fundiária, dentre tantas outras que não conhecemos. Mas será que estariam à vontade nos locais do Sistema de Justiça com seus trajes e suas particularidades?”, questionou Lia.

Então, como ser antirracista? “Me deparo com essa pergunta e a primeira resposta é: tem que sair do discurso. Só o discurso não basta. Não vai contra a corrente. Outro ponto é que a população branca deve reconhecer seu privilégio, e que o racismo existe e mata pessoas. Precisamos estar nessa luta juntos. Temos que usar espaços que o negro não alcança para trazer a discussão. Lugar de fala não deslegitima ninguém para falar sobre o assunto. Lugar de fala não pode ser um pretexto para a omissão. Silenciar é ajudar a perpetuar o racismo”, reforçou Lívia Vaz.

A próxima live do #NaPausa acontecerá nesta quarta-feira (17/6), às 17 horas, no @defensoriaceara. Colocará em pauta o tema “Liberdade de expressão e Estado Democrático de Direito”. O debate será feito pela defensora pública cearense Mayara dos Santos Rodrigues Mendes e pelo doutor em Direito, ex-juiz do TRE/RS e desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), professor Ingo Sarlet.