Você Sabia? Pessoas com deficiência têm prioridade na tramitação processual
Não é favor ou coitadismo. É direito. Está na Lei Processual Civil: pessoas com deficiência (PCDs) devem ter prioridade na tramitação das ações judiciais. E mais: não somente aquelas cuja limitação é física/motora/visível. Outras deficiências também são contempladas. Mas como agir para ter esse tratamento assegurado? É preciso fazer algo? Nesta quinta-feira (3/12), Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, a Defensoria Pública do Estado (DPCE) explica como proceder.
O paratleta Rafael Saraiva (FOTO), de 37 anos, conhece bem o procedimento. Ele pratica surf adaptado e já precisou de assistência jurídica gratuita algumas vezes para conseguir próteses após, em 2013, sofrer um acidente e ter a perna amputada. Há cerca de dois meses, buscou mais uma vez a DPCE para acionar a Prefeitura de Fortaleza e receber o equipamento ao qual tem direito e espera há quase três anos.
“Fui lá [na Prefeitura], mas nada se resolvia. Os próprios funcionários me orientaram procurar a Justiça. Liguei pra Defensoria, escaneei todos os documentos e estou acompanhando o processo de casa. Mas já fui informado de novo que estou como prioridade. E tem sido mesmo muito rápido”, atesta. “Eu preciso da prótese porque elas têm validade. Não são pra vida toda. Mudo de dois em dois anos. Como moro na praia, enferruja e o material se decompõe. Ai de mim e de gente como eu se não fosse a Defensoria. Tenho indicado pra todo mundo”, ensina Rafael, que aguarda tanto o resultado da ação quanto o de um campeonato de surf dos Estados Unidos. Ano passado, ele venceu um torneio no Chile.
Assim como o caso do paratleta, as demandas de pessoas com deficiência que chegam à DPCE seguem um padrão: a prática é anexar documentos e/ou laudos médicos à papelada necessária à abertura do processo. “Quando a gente protocola a ação, já registra como prioridade. E, quando o atendimento é presencial, há também prioridade na distribuição de senhas”, detalha a supervisora do Núcleo de Atendimento e Petição Inicial (Napi, em Fortaleza), defensora pública Natali Massilon Pontes.
A prioridade na tramitação processual para PCDs, seja em peças jurídicas ou administrativas, também é prevista no Artigo 9º do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Assim como é feito com idosos e indivíduos diagnosticados com doenças graves, a comprovação da condição é fundamental. “Por mais que tenhamos contato direto com o assistido e sejamos sensíveis à condição dele, pedimos a comprovação porque a tramitação processual depende do juiz e, em geral, ele só tem contato com a parte na primeira audiência. Mas, antes disso, muitos atos processuais já podem ser realizados considerando essa prioridade”, explica a supervisora do Núcleo Descentralizado João XXIII, defensora pública Manoella de Queiroz.
Mas não apenas laudos médicos são válidos. Em Sobral, principal município da Região Norte do Ceará, é comum PCDs buscarem a assistência jurídica da Defensoria já com a carteirinha de pessoa com deficiência expedida por órgãos públicos locais para uso, por exemplo, em sistemas de transporte individual ou coletivo. “Quando a pessoa não tem essa identificação, aí a gente pede que ela apresente laudo. Mas, em geral, esse é um documento que elas já têm por causa do tipo de ação que vão dar entrada”, indica a supervisora do núcleo da DPCE em Sobral, defensora pública Emanuela Leite.
Ela refere-se às demandas de pedido de curatela e de saúde, as mais comuns na região envolvendo PCDs. “O fluxo na Defensoria em si é muito rápido. Quando aparece alguém com demanda especial, a gente coloca à frente. Mas é importante ter algum documento. Como a ordem da tramitação é determinada pela Lei Processual Civil, para quebrar essa ordem e colocar alguém como prioridade, essa exceção precisa estar comprovada nos autos. De posse do documento, a gente junta e abre uma preliminar dentro da petição inicial pedindo para que aquele processo seja tramitado com prioridade, tendo em vista a condição da pessoa”, acrescenta.
Dentro do Sistema de Justiça (ou seja: nas varas especializadas, para onde os processos são enviados conforme o teor e julgados), também é obrigatório dar prioridade à tramitação de processos envolvendo PCDs. Supervisora das Defensorias Cíveis, a defensora pública Luciana Alencar explica que durante toda a tramitação o próprio sistema informatizado do Sistema de Justiça indica as prioridades com tarjas diferentes.
A estratégia é usada para facilitar a visualização das peças em meio ao enorme volume de ações diariamente ajuizadas no Ceará. Em Fortaleza, os processos são todos digitalizados. “O tratamento prioritário funciona. Mas é preciso dizer que a prioridade é dada não conforme o teor do processo [reparação de danos, revisão contratual etc] e sim de acordo com a condição da pessoa. E essa prioridade não impacta no andamento dos demais processos. A demanda nas cíveis, por exemplo, ainda não é grande”, analisa Luciana Alencar.
O ideal é que o processo já chegue às varas especializadas com a identificação de prioritário. Contudo, caso isso não ocorra, seja pelo fato de o assistido não ter uma deficiência aparente ou não ter relatado a deficiência por algum motivo de ordem pessoal, os trabalhos de sensibilização da parte e de sinalização da peça podem sim ser feitos no decorrer da tramitação.
“O fato de a pessoa ter alguma deficiência precisa ser citado já na petição inicial. Mas muita gente não sabe que tem esse direito. A gente, então, informa e explica a necessidade do laudo porque é preciso provar ao juiz o que está sinalizado no sistema”, afirma a supervisora do Núcleo Descentralizado do Mucuripe, defensora pública Michele Alencar.