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Curso de formação: movimentos sociais protagonizam discussão sobre luta por direitos na sociedade

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O curso de formação dos novos defensores públicos realizou, nesta quinta-feira (24), um movimento de aproximação com os movimentos sociais. Representantes de várias organizações e entidades estiveram presentes no auditório Jesus Xavier de Brito, na sede da Defensoria Pública do Estado do Ceará, para apresentar pontos de vista de quem dialoga diariamente com realidades diversas de luta por direitos. Os painéis com os movimentos sociais foram divididos por áreas e temas com os quais a Defensoria apresenta identificação. O curso de formação é promovido pela Escola Superior da Defensoria Pública (ESDP), com apoio da Associação das Defensoras e Defensores Públicos do Estado do Ceará (Adpec).

O momento foi coordenado pela ouvidora externa da instituição, Antônia Mendes de Araújo. Segundo ela, esta etapa do curso de formação tem sido especial por aprofundar uma visão social e coletiva essencial aos novos defensores. “É preciso lembrar das pessoas que nos procuram, com quem nós vamos nos deparar em vários momentos, que a elas nós devemos servir. Em algumas situações, será tranquilo, em outras não. O importante é estar em articulação com os movimentos sociais. Um olhar técnico, mas também sensível. Aqui foi um momento valioso para aguçar esse olhar”, atribui.

IMG_9144O primeiro painel dedicou-se a tratar do direito à moradia e função social da propriedade. A pesquisadora Valéria Pinheiro, do Laboratório de Estudos da Habitação do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará (Lehab/UFC), falou sobre os estudos e atuação em redes de pesquisa nacional e internacional. Em Fortaleza, o Lehab se dedica à contribuições com a Frente de Luta por Moradia. “A Defensoria Pública deve cada vez mais encampar essa luta conosco. O município de Fortaleza possui vários planos estratégicos de ocupação urbana, mas eles precisam respeitar o nosso Plano Diretor de 2009. Dez anos depois, estamos prestes a passar pela revisão desse plano, que vai disciplinar o crescimento da cidade para a próxima década, e isso precisa respeitar o viés social e democrático”, destacou Valéria.

O advogado Márcio Alan, do Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar (EFTA), também compôs o painel. Ele ressaltou a importância de uma atuação popular, que vá além do processo jurídico, incluindo aí a realização de audiências públicas, sensibilização dos atores do sistema de justiça e articulações políticas com diversas comunidades. “Nossa atuação nunca é sozinha, ela é plural. Com a Defensoria Pública, temos o Grupo de Trabalho de Moradia, juntamente com o Lehab, Ouvidoria e Núcleo de Habitação e Moradia (Nuham) para discutir as remoções como um fenômeno que tem ocorrido em Fortaleza”, afirma.

A militante Adriana Jerônimo, do Conselho Gestor da Zona Especial de Interesse Social (Zeis) Lagamar, alertou para “desigualdade de investimentos públicos entre os bairros de Fortaleza”. Segundo Adriana, a luta pela regulamentação das Zeis completou dez anos sem a efetiva resposta do poder público. Na cobrança por uma política de moradia efetiva, Adriana acredita na soma de forças. “Construir um modelo de cidade com participação comunitária é fundamental. Vocês, defensores públicos, são essenciais. Temos o Nuham da Defensoria, que é o grande parceiro nosso, mas isso precisa ser na Defensoria como um todo, ter uma escuta como um todo, que os defensores sejam acessíveis para comunidade, que haja um diálogo para apresentar as demandas. Que vocês as recebam e entendam que existe um processo de violações bem maiores”, defende Adriana.

Justiça Socioambiental – O Instituto Terramar e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) formaram o painel “Justiça Socioambiental e direitos territoriais de povos e comunidades tradicionais”. Os convidados trouxeram o ponto de vista do direito social dos povos tradicionais no Ceará e o lugar de exclusão imposto pelas relações de poder.

IMG_9192Cristiane Faustino representou o Terramar e contextualizou historicamente a situação de comunidades negras, indígenas, camponesas e periféricas. Segundo ela, as atividades econômicas devastadoras causam prejuízos desiguais, tendo maiores impactos para quem depende diretamente daquele território. “Quando a comunidade procurar vocês, defensores e defensoras, para dizer que estão destruindo o manguezal em territórios costeiros com a cultura de carcinicultura, eles estão relatando algo maior: que estão destruindo um modo de vida. Estejam sensíveis quando as comunidades procurarem a Defensoria para relatar isso”. Cristiane pediu uma “leitura crítica” sobre os cenários contra as comunidades tradicionais, que “estão em constante luta e enxergarão na Defensoria uma aliada”.

O dirigente estadual do MST no Ceará, Fábio Pereira, agradeceu ao convite de participar do painel junto aos novos defensores, se referindo ao momento como “um mergulho na realidade social para conhecer a realidade do povo”. “Vocês, junto conosco, tem uma responsabilidade muito grande para garantir o direito da classe que trabalha nesse país”, disse. Para Fábio, o aumento dos debates no atual contexto têm se intensificado porque “faltam políticas públicas, gerando maior preocupação e atenção de todos, já que crescem a fome, o desemprego e a concentração fundiária. E enquanto houver injustiça social e latifúndio, vai existir o MST”.

A defensora pública Renata Araújo, com titularidade em Canindé, relatou a experiência de quando era foi defensora pública no Estado do Pará, em 2015. Na época, ela atuou mediando conflitos no município de Altamira e, embora fossem situações de competência federal, ela buscou atuar de forma extrajudicial e em articulação com outras instituição. “Às vezes, não conseguimos atuar judicialmente na matéria, por conta da competência. Mas isso não significa que não possamos estar ao lado dos movimentos sociais, das comunidades, fazendo ligação com as instituições. É uma atitude que dá corpo à Defensoria Pública, que a transforma em uma referência no território onde ela está”, defende Renata.

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A situação carcerária do Ceará em pauta – Iniciando os trabalho no turno da tarde, o painel “Justiça criminal e desencarceramento” levantou discussão sobre o papel da defesa, a atuação do sistema de justiça e a questão social envolvida em dados sobre o sistema carcerário.

A militante do Instituto Negra do Ceará (Inegra), Franciane Santos, indagou sobre o fenômeno do hiperencarceramento e a presença de pessoas negras e periféricas como maioria entre os internos do sistema prisional. Questionou ainda o modelo de segurança pública “que extermina corpos negros” e o racismo presente no modelo de justiça. “A liberdade tem sido para nós uma luta constante, como já diria a pesquisadora e escritora americana Angela Davis. A escravidão não acabou, mas ela se reinventou. Existem censos carcerários e laboratórios de pesquisa que trazem dados relevantes para quem pesquisa e milita na área. Vocês vão ver quem é o público que vão procurar vocês, quem é o grupo social que é preso. Qual é a cor desse sistema de justiça, que estão decidindo sobre vidas negras?”, questionou. Franciane destaca que deveria haver um projeto inclusivo, de desencarceramento, de penas alternativas.

IMG_9232Foi como assistida da Defensoria Pública que Alessandra Félix iniciou sua fala. Representante da Agenda Nacional pelo Desencarceramento, ela disse que já precisou da instituição para assistir o filho interno do sistema prisional, “e são os familiares que dão todo suporte emocional, de água e comida aos nossos filhos que estão apenados”. Ela cobrou consciência de todos para compreender a “gravidade do sistema”. “Temos uma política segurança falha, como se prender fosse resolver a questão da violência. Não é o código penal que resolve os conflitos da nossa cidade. Temos consciência de que deve haver uma responsabilização. Mas quando o sistema prisional vai falar de ressocialização? O desafio é esse”.

O sociólogo Ítalo Lima integra o Laboratório de Estudos da Violência da UFC (LEV) e, desde 2013, pesquisa o sistema prisional no Brasil. Segundo ele, aumenta a ostensividade policial como sinônimo de segurança pública. “Nós temos observado como a segurança passou, há alguns anos, a tomar espaço na agenda. Prender tornou-se sinônimo de celebração social, associando o fato de prender mais a trabalhar mais. Mas isso pressionou a ponta do sistema prisional. Há dez anos, o prognóstico era de que esse sistema era uma bomba-relógio. E esse futuro já chegou, com 80% da população carcerário formada por pessoas negras. Há uma seletividade clara e comprovada por várias pesquisas”, afirma.

A Pastoral Carcerária foi representada por Irmã Gabriela Pinna, que defendeu o fortalecimento da Defensoria Pública como maneira de lutar pelos direitos das pessoas mais vulneráveis. A Pastoral Carcerária foi criada em 1986 para chamar atenção para a realidade da cultura do encarceramento e propor discussão sobre penas alternativas. No Ceará, a Pastoral tem um convênio com a Defensoria Pública para identificar essas questões.  “Sessenta e sete por cento das prisões são por tráfico. Ou nós como sociedade decidimos enfrentar essa prática. Com essa dramática realidade, a prisão não reduz a violência nem ressocializa o egresso. Ela não cumpre esses objetivos, por isso resulta um alto índice de violência e reincidência. Somos todos responsáveis”, pontua.

IMG_9296Infância e Juventude como área prioritária – Os painéis com os movimentos sociais foi encerrado com o debate “A proteção integral dos direitos das crianças e adolescentes”, que contou com a presença de Dillyane Ribeiro, do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedeca), e Maria Elisabete Lima Costa, representando o movimento Mães do Socioeducativo.
Os convidados abordaram as políticas protetivas da Infância e Juventude e a responsabilidade de toda a sociedade nesse tema. Também foram pontuados os desafios nessa área, tendo como norte as bases legais, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).