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Debate sobre racismo estrutural compõe programação de encerramento do curso de formação dos novos defensores

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O racismo presente nas relações, nas estruturas sociais e no sistema de justiça: esses foram algumas das discussões travadas na mesa “Racismo Estrutural e as estratégias de atuação da Defensoria Pública”, que aconteceu na manhã desta sexta-feira (25) no auditório Jesus Xavier de Brito, da sede da Defensoria. O evento encerrou o curso de formação de novos defensores públicos, iniciado no dia 7 de outubro, e integra uma programação que reuniu uma série de debates com movimentos sociais e sociedade civil organizada.

A ouvidora externa Antônia Mendes de Araújo coordenou a mesa, formada por representantes do Grupo de Valorização Negra do Cariri (Grunec), Movimento Negro Unificado (MNU) e  Instituto Negra do Ceará (Inegra). Segundo Antônia, é necessário que a Defensoria paute constantemente a questão do racismo estrutural na sociedade brasileira. “A Defensoria Pública dos Estados do Rio de Janeiro e da Bahia já tem se debruçado sobre o tema, os demais Estados têm dificuldade para tratar disso no âmbito institucional. Aqui no Ceará, tentamos dar um início a essa discussão, dialogando com movimentos de Fortaleza e do interior”, defende.

IMG_9303Natural da zona rural do Cariri, o estudante e militante Tiago Alexandre, do Grunec, refletiu sobre as exclusões impostas historicamente à população negra no Brasil, fator este que, segundo ele, criou um verdadeiro “abismo social” em que se estrutura o racismo. “O racismo é algo estrutural que organiza as relações sociais. São as bases normativas de organização do próprio Estado, por isso o racismo é estrutural. Mas, mesmo assim, ainda se recorre ao Estado porque se acredita que ainda existe a possibilidade de viver com dignidade, mesmo com o processo de animalização dos corpos negros”, disse Tiago. O pesquisador também trouxe reflexões importantes sobre apropriação cultural, lugar de fala e violência institucional contra a população negra.

IMG_9342Representando o Movimento Negro Unificado (MNU), a advogada e professora Martir Silva afirmou que era preciso debater as estruturas que contribuem para a manutenção do racismo, além de mencionar “quem as construiu e quem as mantém”. As respostas, de acordo com Martir, estão na formação da sociedade brasileira. “Nossa sociedade foi construída a partir de um processo de colonização, da invasão de um território sobre seus povos originários, voltada para exploração de riquezas locais e acumulação dessas riquezas fora do território. Foram mais de 300 anos de trabalho com mão de obra escravizada. Além disso, temos uma elite formada pela população branca, que domina os campos econômico e político, que são espaços que não foram ampliados com a Independência, Abolição ou República. Pessoalmente, acho que ainda não temos um projeto de nação, porque não abandonamos essas estruturas, que precisam ser identificado se transformadas”, pontua.

IMG_9365O recado da militante Sara Menezes, que faz parte do Inegra, era claro para que todos os presentes tivessem atenção com as relações estabelecidas no sistema de justiça. “Racismo estrutural é relação, a forma como são tratadas as pessoas que buscam esse aparato, que é detentor de privilégios”. Sara citou a escritora norte-americana Angela Davis, autora da frase “numa sociedade racista, não basta não ser racista, é necessário ser antirracista” e pediu uma  parceria mais forte com todos os núcleos de atuação da Defensoria Pública. “A Defensoria é um lugar de responsabilidade também da sociedade civil, não só como usuário, mas como sujeitos proponentes. Nós atuamos juntos. Não existiria o servidor público se não fosse a sociedade civil. E quem não sofreu racismo está num lugar cômodo. Mas a gente precisa desconstruir as raízes desse racismo, pois ele está ancorado no modo como a gente atua. Quando mexemos nisso, gera desconforto, mas é preciso se movimentar”.

O defensor público Eduardo Villaça, assessor de Relacionamento Institucional da Defensoria, também integrou a mesa e reforçou o papel de escuta dos defensores públicos, de buscar parceria com os movimentos sociais onde atuarão. “Os componentes dessa mesa são parceiras na Defensoria. Nós damos as mãos para essas outras pessoas para fortalecer a luta que não é só nossa, como defensores, mas sobretudo deles. Então, é estar atento ao que a militância nos traz para entendermos o que é esse racismo que está posto sobre nós, já que muitos de nós nunca saberemos o que é isso. Mesmo assim, podemos lutar contra”.

A advogada Martir Silva elencou os desafios de atuação da Defensoria para combater o racismo estrutural no Brasil. “A igualdade de todos perante a lei não existe se nós não desnudarmos e atuarmos para minorar as desigualdades sociais. Onde estão os negros no sistema de justiça? Geralmente eles são cobrados ou condenados. Raramente, estão nas decisões ou estão nos grupos sociais que têm acesso à realização e entrada no sistema de justiça. É esse o grande desafio do sistema de justiça: fazer reparação histórica, reconhecendo o racismo estrutural e enfrentando a manutenção desse obstáculo ao processo civilizatório”.