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Defensoria Pública do Ceará realiza audiência pública para discutir impactos da PEC 287 para pessoas com deficiência

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A dona de casa Maria Valdete do Nascimento, 50 anos, mora na Praia do Futuro, em Fortaleza, com o filho Francisco Valdemir, 33 anos, que tem deficiência intelectual. Diante das limitações impostas pela deficiência, a única renda da família é o Benefício de Prestação Continuada (BPC), assegurado pelo artigo 203 da Constituição Federal e pago pelo Governo Federal em valor equivalente a um salário mínimo mensal. “Utilizamos o valor de 937 reais para praticamente tudo. Compro os remédios do meu filho, que são de alto custo, pago o aluguel, energia, gás e, principalmente, alimentação. A gente se vira, né? Tudo dificulta porque não tenho com quem deixá-lo e não posso trabalhar por conta disso”, lamenta.

O filho de dona Maria é uma das 34.480 pessoas com deficiência que residem em Fortaleza e recebem o benefício. Em todo o Estado, 155 mil pessoas são beneficiadas com o BPC. O que poucos sabem é que a Reforma da Previdência (PEC 287) propõe a restrição do acesso ao benefício, desvinculando o valor de sua prestação mensal ao salário mínimo, incluindo uma aferição do grau de deficiência para que sejam pagos valores proporcionalmente inferiores ao valor total do benefício, além de constitucionalizar padrões rígidos para a determinação da condição de miserabilidade, que não amparam a complexidade das situações concretas de miséria da população. “Eu só espero que essa lei não seja aprovada, porque, além de prejudicar diversas pessoas que já são beneficiadas, como meu filho, isso restringirá a possibilidade de outras pessoas obterem essa ajuda”, reivindica a dona de casa. Para discutir os impactos da Reforma da Previdência sobre a vida das Pessoas com Deficiência, atendendo a uma solicitação dos movimentos que representam este segmento da população, a Defensoria Pública do Estado do Ceará em parceria com a Defensoria Pública da União, por meio de seus Núcleos de Direitos Humanos, realizarão na próxima sexta-feira, dia 10.3, às 9h30, uma audiência pública.

“A Defensoria Pública como instituição que luta para assegurar direitos da população mais vulnerável pretende aprofundar a discussão sobre a Reforma da Previdência e com a participação da sociedade e dos movimentos que representam as pessoas com deficiência elaborar uma nota técnica com os principais pontos que violam a Constituição Federal e atingem diretamente a sobrevivência dessas pessoas. Nossa ideia é que essa nota seja encaminhada a deputados e senadores, demonstrando o prejuízo que será causado a grande parcela da população”, informa a defensora pública Sandra Sá, supervisora do núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas da Defensoria Pública do Estado.

De acordo com a defensora regional de Direitos Humanos da Defensoria Pública da União – Ceará, Lídia Nóbrega, “a atuação constante da Defensoria Pública da União (DPU) em demandas de natureza previdenciária – e especialmente nas que envolvem benefícios assistenciais – traz a convicção de que essa proposta (da Emenda 287), caso aprovada, irá atingir especialmente às populações mais vulneráveis, que são aquelas na situação de pobreza e ainda com alguma deficiência que dificulta a sua interação em igualdade de condições com as demais pessoas. Essa proposta viola a garantia do mínimo existencial e a vedação ao retrocesso social. Ela também vai de encontro a recomendações internacionais, como a Recomendação 202 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e fere frontalmente a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência”.

Como é hoje: A redação atual do artigo 203, da Constituição Federal, estabelece que a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à Seguridade Social. No inciso V, o texto explica que um dos objetivos é “a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família”. A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) regulamentou o direito ao benefício e definiu que para fazer jus ao BPC o requerente precisa demonstrar ser pessoa com deficiência, possuindo impedimentos de longo prazo (mínimo 2 anos), de natureza, física, mental, intelectual ou sensorial capazes de obstruir ou limitar a sua participação social; integrar família cuja renda mensal per capita seja inferior a um quarto do salário mínimo; e não auferir qualquer outro benefício de Seguridade Social. No entanto, o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional o requisito da renda per capita de um quarto do salário mínimo para a concessão do BPC, uma vez que esse critério estaria defasado para caracterizar a situação de miserabilidade, possibilitando que sejam aferidos outros critérios para definir a existência ou não da miserabilidade, esse entendimento foi incluído textualmente no Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015).

Com a Reforma: A PEC 287 propõe nova redação para o artigo 203, da Constituição Federal, na qual desvincula do salário mínimo, deixando o valor que será pago em aberto, passando a ser tratado como um programa oficial de transferência de renda, cuja execução estaria a cargo de uma avaliação discricionária do Estado. Desta forma cria limitações expressas ao texto constitucional de 1988, violando cláusulas pétreas, dispositivos constitucionais que não podem ser mudados nem mesmo por emenda constitucional. Além disso, desconsidera que a Constituição Federal utiliza o salário mínimo como piso básico para os benefícios de Seguridade Social por ser esse o menor valor monetário capaz de assegurar uma vida digna ao trabalhador e sua família.

Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA), o BPC compõe 79% do orçamento das famílias de seus beneficiários, equivalendo, para 47% destes casos, a 100% do orçamento familiar.

A Proposta de Emenda vai além ao definir que em relação ao benefício, será disposto em lei o grau de deficiência para fins de definição do acesso ao benefício e do seu valor. Desta forma a partir da “intensidade de deficiência” será decidido não apenas a existência do direito ao amparo assistencial, mas também o valor deste amparo. “A proposta é um nítido tratamento discriminatório em razão da deficiência, que fundamenta-se de que uma pessoa é “mais deficiente” que a outra”, destaca a defensora pública Sandra Sá. Essa aferição contraria inclusive o artigo 28 da Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, na qual o Brasil é signatário e os “Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência à proteção social e ao exercício desse direito sem discriminação baseada na deficiência.”

Em um terceiro ponto, a PEC sugere a adoção irrestrita do já ultrapassado critério objetivo de renda per capita para aferir miserabilidade e identificar as pessoas aptas a receberem o benefício.

Serviço:
Audiência Pública que debaterá os Impactos da Reforma da Previdência (PEC 287/2016) para as Pessoas com Deficiência.
10 de março de 2017 às 9h30
Auditório Jesus Xavier de Brito da Defensoria Pública do Estado do Ceará
Avenida Pinto Bandeira, 111, bairro Luciano Cavalcante.