Posso ajudar?
Posso ajudar?

Site da Defensoria Pública do Estado do Ceará

conteúdo

Depressão: quando o acolhimento psicossocial pede passagem

Publicado em

IMG_1084
“Todos nós precisamos entender que podemos ter dias ruins. Devemos nos permitir ter esse direito de não estar bem”. A declaração curta, mas esclarecedora, é da psicóloga Andreya Arruda, supervisora do setor de Psicossocial da Defensoria Pública do Estado do Ceará. O setor acolhe as pessoas que buscam assistência jurídica para questões diversas na instituição. No atendimento inicial, elas podem ser encaminhadas para uma conversa com uma equipe de profissionais para um momento de escuta. “Quem busca assistência jurídica aqui passa por uma escuta qualificada. Então, verifica-se a incidência de fatores emocionais diversos no público-alvo da Defensoria Pública do Estado. Muitos destes casos, resolver a demanda jurídica não é tudo. É o primeiro passo para investigarmos outras questões”.

O que o setor encontra na rotina de funcionamento reflete as demandas de uma sociedade que ainda desconhece a relevância de falar sobre depressão. Por essa razão, ainda há dificuldades de perceber a necessidade de ajuda profissional. Existem poucos estudos nacionais sobre a doença, mas algumas pesquisas colocam luz sobre o tema. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em dados de 2015, 11,5 milhões de brasileiros sofrem de depressão. Isso corresponde a quase 6% da população daquele período. Diversos fatores podem engatilhar o início desse processo na vida de muita gente. “As pessoas que nos procuram vêm de uma enfrentam uma maior vulnerabilidade social. Então, diversas questões: desemprego, moradia, discriminação, difícil acesso às políticas públicas podem acarretar neste contexto”, enumera a psicóloga.

Outra causa influenciadora para desencadear problemas de saúde mental é a violência urbana. Segundo a Rede Acolhe, programa da Defensoria Pública do Ceará que assiste parentes de vítimas de crimes violentos ou de tentativas de homicídio, 33% dos atendidos passaram a usar algum medicamento contra a depressão após o episódio violento vivenciado. Em um ano de funcionamento, a Rede Acolhe já acompanhou cerca de 500 pessoas.

Uma delas foi a confeccionista Glaucinele Sousa Monteiro. Ela perdeu o filho de 18 anos, vítima de homicídio no bairro Bom Jardim, em Fortaleza. “Depois que meu filho morreu, eu perdi o sentido da vida. Tinha uma confecção, que era onde tirava o sustento de toda a minha família, mas entrei em depressão e fali. Tinha dia que eu não tinha o dinheiro para comprar uma pasta de dente, mas isso não significava nada, porque eu só pensava em morrer”, relata. Após enfrentar muita resistência interna, Glaucinele conheceu a Rede Acolhe. “Encontrei o fundo do poço, mas a equipe da Rede Acolhe apareceu como um divisor de águas, eles iam lá em casa, conversaram comigo, passei a ter acompanhamento psicológico”, aponta. “Nesse meio tempo, descobri que o meu filho tinha deixado uma mulher grávida. Antes dele falecer, ele comentou que ia chegar um rebento, mas a gente não dava muito cabimento, todo mundo pensava que era brincadeira. Mas aí fui atrás e descobri que era verdade. Ganhei um novo rumo na minha vida, meu neto é minha nova razão para viver”, disse.

O autoconhecimento permitiu evolução no tratamento. “Sabe o que tudo isso significou pra mim? Que a vida continua sim. A dor e a ausência são para sempre, mas com esse acompanhamento eu reaprendi a viver. Passei até no vestibular para Educação Física, acredita? Recuperei o meu trabalho, estou criando meu neto e tenho fé em Deus que as coisas vão continuar caminhando”.

Contexto socioeconômico e estigmas – Baixo acesso a serviços públicos, contextos de violência e direitos negados. Assim é o ambiente onde vários brasileiros ainda existem atualmente. Só no ano passado, havia 52 milhões abaixo da linha da pobreza, segundo o IBGE. Situações que incidem também sobre o emocional de muitas pessoas.

Existem poucos estudos nacionais que contemplem relação “renda X depressão”. Um deles data de 2008, feito pelo Ibope. A pesquisa revelou que as classes C e D estão mais vulneráveis ao transtorno, com sintomas mais facilmente identificáveis em 25% das pessoas desses estratos sociais. O levantamento foi encomendado da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos (Abrata).

“A Defensoria Pública recebe o cidadão hipossuficiente, que tem o acesso a políticas públicas negado em vários níveis. Aqui conseguimos oferecer um momento de escuta. Mas se não fosse nossa parceria com as clínicas-escola das universidades, seria muito mais difícil, porque os Centros de Apoio Psicossocial (CAPS) não dão conta de atender a todos que precisam”, diz Andreya, que nega qualquer determinismo pelo fator renda. “Estão mais predispostos, mas a depressão pode atingir qualquer classe social. O que influencia bastante nesses casos é a capacidade de resiliência de cada um”.

IMG_1080Assistência jurídica e humana – Quinze profissionais, entre psicólogos e assistentes sociais, dividem-se nos trabalhos do setor Psicossocial da Defensoria Pública do Ceará. O serviço está disponível nos núcleos de Fortaleza e na região do Cariri cearense. O trabalho dá suporte ao setor de atendimento inicial e aos defensores públicos. “Nós orientamos os atendentes a nos acionar caso recebam alguém mais fragilizado ou emocionado. Os defensores também nos acionam nessas situações, nas quais nós entramos dando suporte às pessoas e subsidiando com relatórios que auxiliem nas petições”, explica Andreya.

O resultado já se observa na evolução desses atendimentos. Até junho deste ano, 9.836 acolhimentos foram feitos. No ano passado, o total foi de 18.448 atendidos. “É resultado de uma compreensão maior de que é preciso um olhar humano para todos que nos procuram”, observa a supervisora. Percepção compartilhada pela assistente social Luciana Carvalho, que compõe a equipe há um ano. “É um duplo entendimento, tanto de quem vai aos núcleos, quanto de quem recepciona. Os profissionais estão mais sensibilizados com as questões psicossociais, por isso já nos acionam”, defende.

Da experiência diária, Andreya elege um conjunto de fatores como armas para enfrentar quadros de depressão. “Trata-se de uma doença grave, à qual qualquer um de nós está suscetível. Por isso, é preciso reconhecer que precisamos incluir a assistência psicológica e social no cotidiano de enfrentamento da depressão”.