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DPE entra com ações individuais para eletrodependentes. Benefício coletivo aguarda decisão da justiça há oito anos

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A aposentada Irene Pereira de Abreu, 65 anos, cultiva forte disciplina para cuidar da saúde diariamente. No ano passado, recebeu diagnóstico de fibrose pulmonar e passou a necessitar do uso contínuo de um aparelho de oxigênio, sendo assistida pelo serviço de atenção domiciliar do Hospital de Messejana, em Fortaleza. Desde que iniciou o tratamento em casa, porém, viu a conta de energia aumentar significativamente. “Antes, o valor era R$ 130, no máximo. Depois subiu para R$ 360 e para gente era impossível pagar”, relata. O orçamento apertou, já que a renda familiar é composta pelo que o marido Francisco ganha, fazendo serviços informais como pedreiro, e o salário mínimo recebido pela filha dela.

Em agosto de 2017, o casal procurou a Defensoria Pública do Estado do Ceará, que judicializou a ação. Em dezembro, a Justiça proferiu sentença favorável à Irene, determinando a suspensão das cobranças de débitos atrasados pela Enel e a manutenção do fornecimento de energia. Ainda segundo a sentença, os gastos ficaram sob responsabilidade do Estado, a partir de medidor de energia elétrica específico. “Colocaram o registro separado só pro aparelho, que ela não pode ficar sem. Era uma preocupação pra gente, mas graças a Deus deu certo. Nossa preocupação agora é com a saúde”, diz o marido Francisco Pereira.

Casos como o de Irene costumam chegar ao Núcleo de Petição Inicial (Napi) da Defensoria Pública de modo individual, embora o órgão possua uma Ação Civil Pública que tramita na justiça e ainda não teve desfecho. A defensora pública Yanahyer Mydore já assistiu juridicamente familiares que procuraram a Defensoria e conseguiram decisão favorável. “Fazemos a petição inicial para casos individuais e temos obtido decisões favoráveis para que a conta seja custeada pelo Estado. Não a conta de consumo toda, mas a conta específica do medidor, cujo funcionamento faz com que o consumo seja muito elevado. O Estado custeia o consumo do eletrodependente e garante um alívio financeiro para núcleo familiar”, explica.

Há cerca de dois anos, a dona de casa Elizangela Bezerra de Araújo, 45 anos, viu a violência comprometer o desenvolvimento do filho Carlos Gabriel, na época com 16 anos. O jovem foi atingido por uma bala perdida enquanto conversava com amigos na calçada da casa da avó, no bairro Genibaú, em Fortaleza. Durante uma tentativa de assalto perto de onde estava, foram disparados tiros e uma dessas bala atingiu a coluna de Carlos Gabriel, que ficou tetraplégico. O pulmão também foi afetado, exigindo que o rapaz respirasse com ajuda de aparelhos.

A família procurou a Defensoria Pública para judicializar o pagamento da conta de energia. “Minha conta chegou a R$ 3.200 e não temos condições. Desde que acionamos, é o Estado quem paga, através de um documento que diz que ele depende do aparelho para sobreviver”, conta Elizângela, que recentemente recebeu cobrança dos débitos atrasados. “Voltei à Defensoria e já foi dado entrada em uma nova ação questionando a cobrança”. Esta ação ainda não foi apreciada.

Benefício coletivo aguarda a justiça há oito anos – Os problemas das pessoas que respiram por ajuda de aparelhos seriam aliviados com uma solução coletiva. Desde 2010, a Defensoria Pública ajuizou Ação Civil Pública (ACP) que impõe ao Estado, município de Fortaleza e Enel (à época, Coelce) a responsabilidade de arcar com o consumo de energia elétrica de aparelhos vitais instalados nas casas de pacientes eletrodependentes carentes.

O documento ressalta a existência dos programas de saúde que implementam terapias em regime domiciliar, com suporte das redes estadual e municipal, humanizando a situação de pacientes que enfrentam “situações extremas de tratamento”. No entanto, o texto traz que “ao serem levados para suas próprias residências acompanhados dos equipamentos vitais, que por sua vez demandam enorme gasto de energia elétrica, notadamente considerando que em geral tratam-se de pessoas extremamente carentes (pacientes de hospitais públicos), os mesmos veem-se às voltas com um problema que tem se mostrado insolúvel, traduzido no aumento exponencial da fatura de energia elétrica”. A ACP pede que a concessionária responsável instale medidores de energia separadamente para calcular o consumo único dos equipamentos. A conta resultante seria paga por Estado ou Município, dependendo de qual rede hospital fosse responsável pela internação domiciliar.

Antes da ACP, também foi firmado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que beneficiou um grupo de pacientes que realizavam oxigenoterapia. “Fomos procurados por parentes de pacientes do Hospital de Messejana. Assim, firmamos um TAC com a concessionário de energia para perdão de dívidas, manutenção do abastecimento e abater o valor do consumo elétrico dos aparelhos da conta final”, informa o defensor público Eduardo Villaça, um dos autores da ação que ganhou Prêmio Innovare em 2010. Desde então, ao longo de oito anos de existência da ACP, foram registrados despachos, réplicas, pareceres e anexação de documentos pelas partes, além de contestações do Estado, Prefeitura de Fortaleza e Enel. A ação que tramita na 3ª Vara da Fazenda Pública de Fortaleza, no Fórum Clóvis Beviláqua, no entanto, ainda não foi julgada.

A defensora pública Sandra Sá, supervisora do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas, explica que o processo está em fase de saneamento. Enquanto isso, pacientes eletrodependentes continuam chegando à Defensoria Pública. “É uma demanda constante. Entendemos que alguém precisa pagar a conta. Nesse caso, o estado ou município deveria pagar. Há um prejuízo enorme com o atraso no julgamento da ACP. O que a gente tem a fazer é cobrar”, diz Sandra Sá.

O assunto foi tema de reunião, em junho, onde participaram os Núcleos de Direitos Humanos e Ações Coletivas (Ndhac), Consumidor (Nucon), Defesa da Saúde (Nudesa), Núcleo de Petição Inicial e Juizados Especiais. Na ocasião, ficou definido que cada unidade, dentro da sua área de atuação, mantivesse o entendimento de cobrar a instalação de medidores específicos para equipamentos de eletrodependentes, a vedação do corte de contas de energia por atraso e o custeio pelo poder público até a decisão coletiva que favoreça toda a comunidade.