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Encontro debate a realidade do sistema socioeducativo no Ceará

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A influência das facções criminosas sobre jovens e adolescentes é uma das principais preocupações das autoridades do Sistema de Justiça, atualmente, no Ceará. Este foi um dos temas do segundo dia do IX Encontro da Magistratura, do Ministério Público e Defensoria Pública da Criança e do Adolescente. A abertura desta sexta, dia 23, foi com a Palestra Magna: “Repensando o sistema socioeducativo: figuras do perigo e formas de intervenção” com debate centrado no eixo infracional e nas problemáticas referentes aos centros socioeducativos.

A mesa foi presidida pelo defensor público e supervisor das Defensorias da Infância e Juventude do Estado do Ceará, Adriano Leitinho. Participaram do debate o coordenador do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), Guilherme Nico; o professor, pesquisador e escritor de livros sobre a temática da violência, Riccardo Cappi; o juiz de Direito Clístenes de Façanha e Gonçalves; a defensora pública e do Núcleo de Atendimento a Jovens e Adolescentes em Conflito com a Lei (Nuaja), Luciana Amaral; o promotor de justiça, Plínio Augusto Almeida Pereira; o superintendente do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo (Seas), Cássio Franco e o deputado estadual Renato Roseno. A plateia era composta por defensores públicos, juízes, promotores, advogados, psicólogos, assistentes sociais e demais interessados no tema.

De acordo com o palestrante e coordenador do Sinase, Guilherme Nico, os instrumentos jurídicos como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Resolução 119/2006 norteiam a questão do sistema socioeducativo e defendeu que as internações nos centros só devem acontecer em casos gravosos. “É como se fosse uma UTI. Antes de chegar nela, passamos pelas unidades básicas de saúde. Por analogia, existe o meio aberto, que precisa ser qualificado com educação, esporte e orientações profissionais, para dar novas perspectivas ao socioeducando. Como isso não existe ainda, o Judiciário aplica de imediato a internação”, lamentou.

IMG_3103“Infelizmente, o cenário atual do sistema socioeducativo não é condizente com a legislação. Não estamos dizendo que os adolescentes infratores não devem pagar pelo erro, mas eles têm que responder com dignidade. Toda a sociedade tem responsabilidade nessa questão”, argumentou o defensor Adriano Leitinho. Para a defensora pública e supervisora do Núcleo de Atendimento a Jovens e Adolescentes em Conflito com a Lei (Nuaja) Luciana Amaral, a realidade no Ceará é de dificuldades, que tem piorado com o crescimento das facções. “Essa situação é muito preocupante”, afirma. Ela destacou o projeto do Centro de Justiça Restaurativa, desenvolvido pelo Núcleo de Atendimento a Jovens e Adolescentes em Conflito com a Lei (Nuaja), “como uma forma de evitar que estes jovens sejam direcionados imediatamente para os centros, sendo a alternativa para alguns casos”.

O juiz Manuel Clístenes de Façanha ressaltou as melhorias estruturais no sistema socioeducativo cearense ao longo dos anos, mas ponderou que a presença das facções criminosas tem sido um obstáculo. “Percebemos que o conflito se estende às famílias dos jovens faccionados. Se um membro familiar passar pelo bairro da facção rival, por exemplo, ele certamente vai sentir os efeitos dessa rivalidade desumana. Se fora está assim, dentro do sistema socioeducativo isso se acirra ainda mais. Tanto que já tivemos duas grandes rebeliões esse ano aqui em Fortaleza, uma com uma vítima fatal”, disse o magistrado.

Para o deputado e vice-presidente da Comissão Estadual de Direitos Humanos da Assembleia,  Renato Roseno, a situação do sistema socioeducativo reflete o problema das periferias das cidades, que estão à margem das políticas públicas. “As facções criminosas cooptam o jovem oferecendo que o Estado nega historicamente: algum recurso financeiro, poder e pertencimento. O Estado precisa entender essa dinâmica e oferecer isso também, com oportunidade e igualdade. Portanto, os centros socioeducativos precisam ser um espaço de novas perspectivas, e o Sistema de Justiça tem papel fundamental nessas garantias, de reconstruir as formas de responsabilização com um novo olhar. Nós precisamos educar pelo exemplo. A palavra convence, mas é o exemplo arrasta”, disse o parlamentar.

Diante dos problemas, o superintendente da Seas, Cássio Franco, informou que, quando os jovens chegam aos centros, não há “qualquer separação entre eles feita pelos profissionais”. Porém, explicou que o aparecimento de conflitos motivados pelas facções obriga que haja uma divisão para evitar novas rebeliões. “De um ano para cá, isso aumentou bastante. Em algumas unidades isso fica mais evidente, em que uns partem para cima dos outros devido à rivalidade”, disse. Cássio Franco pediu a mobilização das instituições para tratar do tema.

IMG_3150Para o pesquisador Ricardo Cappi, é preciso inverter a lógica da responsabilização a partir da dor do outro. Segundo ele, a sociedade brasileira é “estruturalmente violenta, a partir de desigualdades de gênero, raça e privilégios” e que, para repensar o sistema socioeducativo, é preciso humanizar as medidas aplicadas aos jovens. “É necessário encarar as facções não como um problema em si, mas como uma conjuntura que tem uma causa de ser. Os jovens entram nessa dinâmica pela falta de oportunidade. Se continuarmos penalizando a partir do sofrimento, eles não terão perspectiva alguma. Isso já vem de um contexto de ausência do Estado, de desrespeito aos direitos humanos. Por isso, deve-se mudar a concepção de punição pela dor do outro”, defendeu.