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Entrevista Especial Defensor Geral da Bahia Clériston Cavalcante de Macêdo

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“ Existem várias demandas externas para as quais precisamos estar muito fortalecidos, para que a gente não perca ou minimize as conquistas alcançadas anteriormente”.

Em Fortaleza, à convite da Defensoria Pública Estado do Ceará para ministrar palestra sobre a experiência do Orçamento Participativo implementada pela Defensoria Pública do Estado da Bahia, o defensor público geral, Clériston Cavalcante de Macêdo, falou sobre a importância das Defensorias estarem unidas para enfrentar os desafios e destacou o OP como estratégia de fortalecimento da autonomia da Instituição.

 

1) De que maneira a experiência do Orçamento Participativo foi implementada pela Bahia? Quais os principais desafios enfrentados?

Resposta – O principal desafio foi fazer uma conferência pública para falar de orçamento, que é algo técnico, para pessoas, na maioria, leigas sobre esse assunto. Concomitante a isso, outro desafio importante foi transformar a vontade dessas pessoas em algo que pudesse ser inserido no próprio Orçamento, ou seja, transformar em ações efetivas para elas. Essa tabulação e o resultado são desafios diários, porque a gente não tem como dar uma resposta única, é algo que está sendo construído. A gente também tem limitações de pessoal dessa parte de orçamento e ideológica, pela falta de uma cultura de participação popular em instituições do sistema de justiça, então tudo isso é um misto de desafios. O Orçamento Participativo da Defensoria Pública da Bahia tem tido caráter consultivo e deliberativo, mas é extremamente prazeroso quando a gente percebe que uma demanda falada ou requerida por um ente da sociedade teve uma resposta efetiva. Eu acredito, inclusive, que isso fez com que a gente tivesse um resultado positivo em uma pesquisa feita e divulgada recentemente pelo Conselho Nacional do Ministério Público, que aponta a Defensoria Pública como uma das Instituições mais creditadas pela população. Contudo, como compatibilizar essas demandas, tendo em vista que a gente ainda tem um deficit muito grande de defensores públicos em todo o Brasil? Nós já temos Defensoria em todos os Estados, mas nem todos têm a Defensoria implementada da forma como a Constituição determina e agora ainda temos o desafio da Emenda nº 80, de ter defensores públicos em todas as comarcas e unidades jurisdicionais até 2022. Então, todos esses desafios estão colocados sobre a mesa para que nós gestores, juntamente, com a sociedade, com os defensores, com os Poderes e instituições, possamos caminhar juntos porque nenhum de nós sozinho vai conseguir resolver tudo isso. O Orçamento Participativo é importante porque é através dele que as políticas públicas da Defensoria Pública podem ser colocadas em prática para os cidadãos que são usuários dos nossos serviços.

2) Em que medida isso ajuda no fortalecimento da autonomia da Defensoria Pública?

 

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As pessoas, os cidadãos e os Poderes que procuram a Defensoria Pública criam essas demandas e somos nós que precisamos dizer para os outros que demandas são essas, isso fortalece a autonomia da Defensoria Pública. O planejamento do Estado quando for feito vai ter que se debruçar necessariamente sobre a visão da Defensoria Pública na construção do todo. Acredito que essa construção da Defensoria Pública de um Orçamento Participativo demonstra que a gente é uma Instituição autônoma, não significa que a gente está desgarrada de todos os Poderes ou que a gente está alheio ao momento econômico, orçamentário, que o país ou Estado vive, a gente faz parte do todo, mas dentro do nosso viés, do nosso olhar, e com a nossa missão institucional.

 

3) Além de dar esse maior peso na negociação com o Estado, ao incorporar essas demandas da sociedade na construção desse orçamento, quais são os outros ganhos institucionais? O senhor na sua palestra chegou a citar que há uma espécie de efeito multiplicador, como isso se dá?

Resposta – O que a gente percebeu foi que, por conta desse Orçamento Participativo da Defensoria, as pessoas também falaram da Instituição dentro do Orçamento Participativo do Estado. Portanto, não só os defensores ou o defensor público geral falaram para o Poder Executivo estadual, em favor da Defensoria Pública, mas as pessoas que participaram do planejamento do Estado para o ano subsequente também ressaltaram a importância da Defensoria. E isso, com certeza, fortalece o papel autônomo da Defensoria Pública, dentro de uma perspectiva de atuação cada vez mais próxima do cidadão. Por tudo isso, por todas as demandas e respostas que temos recebido, a gente está cada dia mais está consciente de que esse caminho do Orçamento Participativo é um caminho sem volta para todas as instituições, espero inclusive que outras instituições do sistema de justiça possam também democratizar e debater com a sociedade o que ela espera da gente. Tem ainda um outro viés relevante que é o fato de que a gente precisa estar preparado para ouvir o que as pessoas pensam sobre a Defensoria Pública, a gente talvez vá com o coração achando que só vai receber elogios, que a gente vai receber ou incorporar uma demanda que já é nossa, mas tem um outro tipo de viés nessas conferências públicas que é a cobrança por um tipo de trabalho mais efetivo da Instituição. O desafio de construir um Orçamento Participativo é que quando você se abre, quando você permite, você se desnuda para ouvir não só aquilo que a gente quer ouvir, muitas vezes a gente ouve também aquilo que não quer ouvir, mas temos que estar preparados para construir junto uma solução, que não é mágica.

 

4) Não há o risco de se gerar uma demanda ainda maior para a Defensoria?

Resposta – Essa demanda, essa busca pela Defensoria Pública ela existe diariamente, ela é real. Então, achar que o Orçamento Participativo vai mostrar mais do que existe é uma falácia. O que a gente vai fazer é exteriorizar aquilo que internamente a gente já vive, que é uma cobrança cada vez maior por mais defensores, pela presença da Defensoria Pública em mais locais, e que ela esteja melhor equipada, enfim, essa demanda que hoje é cobrada apenas ao gestor, vai ser fortalecida e legitimada cada vez mais com o apoio da sociedade. Quando eu abro a conferência pública do OP, eu sempre apresento a Instituição e as nossas deficiências, tentando construir com as pessoas de que forma podemos juntos buscar soluções para essas dificuldades. Essa resistência que alguns colegas podem ter, eventualmente, em relação à exposição da Defensoria Pública no Orçamento Participativo, eu não acho que é uma exposição, mas a demonstração de algo que é real.

 

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5) O senhor tocou na sua palestra em outro ponto importante que é “não basta apenas batalhar pelo orçamento, mas é necessário também lutar por uma execução correta”. Nesse ponto também, o Orçamento Participativo, por meio do mecanismo do controle social, também traz essa possibilidade? Em que medida, a Defensoria Pública precisa também criar esses instrumentos de transparência e informação para a sociedade?

Resposta – Esse é um ponto interessante. Cada gestor tem um plano de atuação quando se propõe a exercer o cargo de defensor público geral. Geralmente, esse programa ele é construído internamente, entre os defensores e para os defensores, e eventualmente, onde tem a Ouvidoria Externa, esse debate também é feito com a Ouvidoria, que representa a sociedade civil dentro da Defensoria Pública. Quando a gente faz o Orçamento Participativo e a gente precisa destinar orçamento pra essa ou aquela área, a gente tem que decidir, escolher a prioridade numa Instituição que tem todas as prioridades, tudo é prioridade na Defensoria Pública, pessoal, dinheiro, tudo. Quando você abre à participação popular essa construção do Orçamento Participativo, você abre também pra que ela observe a execução desse orçamento. Quando a gente abre para ouvir, a gente também tem que prestar contas, agora por exemplo nós estamos na segunda etapa que é retornar para essas conferências públicas o que foi sugerido por eles, o que foi executado e o que não foi, explicando o porquê do que não foi executado. A execução orçamentária para qualquer Instituição é tão importante quanto a quantidade de orçamento. Ele precisa ser executado e bem executado, não simplesmente numericamente, mas qualitativamente, isso é uma demanda que também está colocada para nós gestores, porque se você executar o recurso com demandas que não tenham uma repercussão institucional forte isso, certamente, vai ser visualizado por um órgão de controle externo e a gente não pode dar esse vacilo enquanto gestores. Nós precisamos ser rigorosos na gestão dos recursos, pois o dinheiro é público e tem que ser revertido para o público: defensores, servidores e para o cidadão que precisa do serviço da Defensoria Pública. É um caminho novo, de uma Instituição que faz parte de um sistema de justiça que ainda é meio conservador, por isso que é uma quebra de paradigma, é algo que a gente precisa construir diariamente e contar com essa corresponsabilidade dos defensores públicos. Às vezes, um defensor requer algo ao defensor geral e quando lhe é negado acha que é porque não é um bom defensor geral. A gente tem sempre que lembrar que temos uma limitação orçamentária, limitação inclusive no que gastar, na forma de gastar e no que está gastando ou investindo. Os defensores precisam entender que a gestão ela é macro, ela não está só para o defensor, ela está para todos e todas.

 

6) Que tipo de demandas ganharam notoriedade ou passaram a receber atenção maior da Defensoria Pública a partir do Orçamento Participativo?

Resposta – O Orçamento Participativo foi um marco na retomada da aproximação da Defensoria Pública da Bahia com a sociedade civil. Esse foi certamente o maior ganho para a Instituição. A partir daí, as demandas individuais ou coletivas em relação a atuação da Defensoria Pública foram várias. Teve a demanda das marisqueiras, de atendimento aos soropositivos que residem nas ilhas que fazem parte da Baía de todos os santos. As pessoas pediram, por exemplo, que a Defensoria estivesse onde hoje não temos defensor público e de que forma nós poderíamos fazer isso? Numa ação itinerante. Mas para isso, a gente precisava que o colega defensor quisesse participar, não temos como impor isso. Então, como fomentar essa vontade entre os membros da carreira, que já estão muitos deles sobrecarregados, para irem pro além do que já é feito? Isso também foi uma quebra de paradigmas. E com esse trabalho de itinerância a gente conseguiu aumentar em 17% a produtividade da Defensoria Pública da Bahia, no ano passado, de acordo com o relatório da Corregedoria. A gente não espera a demanda procurar a Defensoria, a Defensoria está indo aonde a demanda existe, então a gente quando vai para os bairros, para a comunidade, aonde estão os possíveis usuários da Defensoria, é uma demanda que estava lá e que poderia não chegar à Instituição, isso também foi um reflexo do Orçamento Participativo. As pessoas disseram, por exemplo, “a Defensoria Pública precisa ir em tal lugar pra fazer uma ação das mulheres vítimas de violência doméstica, porque lá tem muita mulher que apanha do marido”, a partir daí a gente percebeu que precisava potencializar o nosso conhecimento técnico científico e preparamos 50 defensoras em Direito, que são representantes de comunidades, preparadas dentro da escola Superior da Defensoria Pública para serem agentes multiplicadoras do direito das mulheres vítimas de violência doméstica. As pessoas falam das carências delas e nós é que temos que ter a sensibilidade de traduzir aquilo ali e transformar em uma ação da Defensoria Pública.

 

7) O senhor está na diretoria financeira do Condege. Neste momento, em que a autonomia da DPU está sendo questionada no Supremo e a Defensoria Pública vem enfrentando vários desafios, qual a importância de momentos como este, realizado pela Defensoria do Ceará, de interação e parceria, onde se promove inclusive a troca de experiências?

Resposta – Eu sou suspeito para falar disso, porque eu sou certamente o único defensor público geral que participou de todas as reuniões do Condege no ano passado, de uma reunião ordinária por mês, além das extraordinárias. Eu participo porque vejo a Defensoria Pública pelo princípio da unidade, o que acontece no Ceará, seja positivo ou negativo, tem o reflexo na Defensoria Pública da Bahia e por conseguinte na do Paraná e assim por diante. Então eu penso a Defensoria Pública como uma instituição una, indivisível, porque é como está na Constituição, no princípio institucional da Defensoria Pública. Minha participação em todas as reuniões demonstra o que eu entendo do Condege, um órgão em que um defensor público geral precisa estar cada vez mais perto do outro, porque as demandas são praticamente as mesmas, as dificuldades e necessidades são praticamente as mesmas e a gente junto é mais forte. Os desafios são vários, os ataques, entre aspas, vêm de todos os lados e a gente precisa estar unido. Eu tenho percebido nesses 10 meses como defensor público geral e como membro do Condege, que ele tem sido mais proativo, ainda não é o Condege ideal, até porque cada um de nós tem as suas dificuldades internas estaduais e a gente precisa compatibilizar como estar unido nacionalmente sem deixar o nosso Estado a mercẽ. Mas eu acredito que o Condege tende, junto com a Anadep, a aproximar as defensorias estaduais, cada um respeitando a sua razão de existir, mas é importante que vejamos a Defensoria como una, pois Condege, ANADEP, Defensorias Públicas Gerais, as Associações estaduais de defensores, todos compartilham de um objetivo único. Há divergências institucionais internas, que são democráticas, mas tem que haver a responsabilidade até na divergência. Às vezes, o discurso fácil corporativo seduz muito aos membros da carreira mas a gente precisa ter responsabilidade no cobrar e no propor. Eu não quero dizer com isso que são problemas indissolúveis ou que quem está administrando está se eximindo da responsabilidade que se coloca diariamente sobre nós defensores públicos gerais, mas que é algo que precisamos refletir a responsabilidade do propor, para que a gente não seja vítima de nós mesmos e não se fragilize cada vez mais.

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