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“Meu sonho é ter minha identidade com meu nome social”, relata interna trans no sistema prisional

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IMG_4215“Meu sonho é ter minha identidade com meu nome social”. Este é o desejo comum nos relatos colhidos esta manhã pelo Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas (NDHAC) em atendimento realizado nesta sexta-feira (16), na Unidade Prisional Irmã Imelda Lima Pontes, em Aquiraz.

A supervisora do NDHAC, Sandra Moura de Sá, reuniu as 27 internas que estão em uma ala dedicada ao público LGBT para explicar um pouco sobre a atuação do Núcleo da Defensoria, nos processos de alteração de nome e gênero, nas atuações em casos de homofobia e nas demais políticas de garantias de direitos. Após essa introdução, Sandra Sá recebeu individualmente cada interno e interna que desejaram o atendimento da Defensoria Pública.

“Esse atendimento decorre da atividade ordinária do Núcleo de educação em direitos e atendimento coletivo e individual. Como o NDHAC trata das ações que envolvem o público LGBTs, nós fomos até o nosso público-alvo que não tem condições de vir até nós por estarem privados de liberdade. Atendemos quatorze pessoas, a grande maioria com desejo de entrar com ação de mudança de gênero e nome. Vou entrar em contato com os familiares dessas internas para pegar a documentação necessária e ingressar com a petição inicial, solicitando que o judiciário reconheça que eles, na verdade, não pertencem ao gênero biológico que foi declarado no momento do seu nascimento”, esclarece. Esta será a primeira vez que a defensora dá entrada em pedidos de reconhecimento da identidade de gênero da população carcerária e é um novo desafio já que a era exigido entre os documentos as certidões negativas. “Os números dos documentos serão mantidos e eu não vejo obstáculos a esta mudança, porque não é sigilosa para a justiça esta informação, mas será a primeira vez que a gente vai propor”, explica.

Tratamentos – “Quando eu tinha seis anos minhas tias e minha avó já notaram que eu era afeminada. Sempre gostei mais de brincar de boneca e com oito anos eu me incomodava em usar roupas de homem. Meu avô não aceitava, me obrigava a cortar o cabelo, mandava eu engrossar a voz, me levou para médicos e psicólogos, chegaram a me receitar hormônios masculinos para tentar reverter a situação, mas nada adiantou. Depois disso, meu avô passou a me aceitar. Desde treze anos, sou Paula”, relatou uma das interna que pretende dar entrada com uma ação judicial para mudança de nome e gênero.

Ela explica que os tratamentos hormonais que faz são de difícil acesso na unidade prisional. “Eu faço tratamento hormonal, gasto em média R$ 150,00 por mês. Mas, aqui no presídio só eu e mais uma podemos arcar com esse custo. Meu corpo me afeta psicologicamente e meu sonho é conseguir a cirurgia de mudança de sexo”, relata que ainda pretende também conseguir a tão sonhada cirurgia. Ariela, outra interna que foi atendida, conta que é mulher desde os 18 anos e que buscou os meios errados para tentar concretizar este sonho. “Meus pais já faleceram e a única parente que tenho viva é minha irmã, mas ela não me aceita e diz que sonha em me ver casado e com filhos. Como eu não recebo visitas, dependo exclusivamente da mãe do meu companheiro para trazer hormônio para mim. Eu fui presa por tráfico, porque buscava dinheiro para arcar com os custos dos hormônios que são altos”, relata.

A defensora pública esclarece pelos relatos ouvidos a necessidade da breve inauguração do ambulatório dedicado ao público LGBT, prometido pela Secretaria de Saúde do Estado. “Vemos aqui que muitas delas não estão IMG_4198recebendo a medicação e os hormônios que estão habituadas a consumir chegam sem o acompanhamento médico devido. As internas que recebem algum tratamento é porque os familiares providenciam e vão deixar, mas muitos tomam de forma irregular. Ainda tem o mercado informal destas medicações e isso pode causar outros problemas graves de saúde”, explica a defensora.

Paula entrou no sistema prisional quando não havia uma unidade específica para o público LGBT. “Éramos tratados como homens, cortavam nosso cabelo, perdemos direitos e dignidade. Sentia que pagávamos uma pena maior por sermos homossexuais, quando a única coisa que devíamos perder era o direito de ir e vir. Então nos juntamos à época e conseguimos com a direção da unidade uma rua só para nós”, diz Paula já referido-se ao projeto “Meninas que encantam”, lançado em 2013 e que ganhou Destaque no Prêmio Innovare. O projeto garantiu que a população LGBT encarcerada recebesse um olhar diferenciado, o uso do nome social, roupas femininas e a manutenção do cabelo comprido. Paula atribui também a si a vitória da unidade Irmã Imelda. “Reuni as meninas e fizemos um abaixo-assinado. Essa unidade é a maior conquista do Meninas que Encantam”.

A unidade Irmã Imelda possui capacidade para 200 internos e recebe a população mais vulnerável do sistema prisional como os LGBTs, idosos, cadeirantes e presos pela lei Maria da Penha, que juntos somam 147 detentos.