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Mulher só consegue o direito de visitar o marido preso após ação judicial da Defensoria

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O artigo 41 da Lei de Execução Penal (LEP) assegura à pessoa presa o contato com o mundo externo, por meio de visitas. Estas visitas poderão estabelecidas pela administração prisional, em regramento de dias e horários, mas estes regramentos não podem ultrapassar o preceito fundamental expresso: o direito à visitação de familiares. A manutenção do convívio familiar é extremamente benéfica para a ressocialização da pessoa presa, constituindo, pois, direito a ser preservado e garantido pelo Estado e está também assegurado na Constituição Federal, que confere à pessoa presa o direito fundamental da assistência familiar (artigo 5º, inciso LXIII, da CF/88).
A Defensoria Pública do Estado tem acompanhado a situação de familiares que têm relatado problemas na restrição de visita nas unidades prisionais do Estado. Algumas destas situações têm demandado, por vezes, ações no judiciário e inspeções nas unidades, encaminhadas à Secretaria de Administração Prisional, pontuando as restrições. Uma destas situações, teve o desfecho positivo durante a última semana.

A diarista S.B.D., de 29 anos, buscou ajuda no Núcleo de Assistência ao Preso Provisório e às Vítimas de Violência (Nuapp) da Defensoria Pública de Ceará depois que recebeu a negativa para confecção da carteira de visitante que dá acesso ao Centro de Detenção Provisória (CDP), onde o marido está preso. A negativa foi baseada em dois fundamentos: por não ser casada “no papel” e por responder a processo criminal. “Fui ao Vapt-Vupt para fazer a carteirinha, mas no dia que voltei lá para receber o documento, o funcionário informou que minha visita estava proibida, porque eu respondia a um processo e também não tinha documentos oficiais da minha relação com meu companheiro. Aí vim na Defensoria. Cheguei até a marcar o casamento, mas a decisão saiu antes e estou feliz, porque vou poder ver meu marido normalmente, sem imposições”, comemorou.

Na ação, a Defensoria apresentou o rol de testemunhas que comprovam a relação entre os dois, fotos de momentos familiares e as certidões de nascimentos dos três filhos, que também estavam impedidos de visitar o pai. O defensor público Jorge Bheron da Rocha, titular da 7a Defensoria do Núcleo de Assistência aos Presos Provisórios e às Vítimas de Violência de Fortaleza (Nuapp), destacou que a negativa da confecção da carteira para acesso às visitas “fere o direito fundamental de visitas à pessoa presa, previsto na LEP e, além disso, fere ainda o direito fundamental da sociedade de que o Estado envide todos os esforços para a ressocialização da pessoa presa. Não pode, portanto, o Poder Executivo, sem qualquer lastro constitucional ou legal, exigir que a pessoa presa, para exercer seu direito de visita, tenha que contrair casamento. Isso configura intromissão do Estado na configuração familiar escolhida pelo cidadão” , destaca.

A decisão do juiz Cézar Belmino Barbosa Evangelista Júnior, da Corregedoria dos Presídios e Estabelecimentos Penitenciários da Comarca de Fortaleza, devolveu a esposa o direito à visitação do marido. De acordo com ela, nenhum destes elementos deve gerar impedimento. “O caso em tela revela que o direito do preso deve ser respeitado, pois inexiste motivo específico que o obstaculiza, cumprindo registrar que o fato de a visitante também possuir processo, não é óbice ao exercício de referido direito, não estando comprovado nos autos que este fato desencadeia risco à segurança da unidade prisional”, sentenciou.

Em seu parecer, o Ministério Público lembrou que a visitante apresentou certidões de nascimento dos filhos do casal e fotos em que se nota o convívio familiar. “Em verdade, verifica-se a impossibilidade da Portaria nº. 154/19 exigir a escritura pública para comprovação da união estável, tendo em vista que não há normas legais no ordenamento jurídico que sustentem tal exigência, não podendo, desse modo, ato infralegal expedido pela Secretaria de Administração Penitenciária impor maiores restrições que não se coadunam às normas bases, visto que nem a Lei de Execução Penal e nem a Constituição exigem escritura pública”, afirmou o promotor Nelson Ricardo Gesteira Monteiro.

Contraditório – A visita da diarista foi negada com base nas regras da Portaria 154/2019, que estabelecia as regras para entrada de parentes nas unidades em dias de visita, até outubro de 2019, onde expressa que é obrigatória a apresentação da certidão de casamento religioso ou a declaração da união estável. Caso não possua, a pessoa deve apresentar outros três documentos que comprovem a existência matrimonial, como a declaração do imposto de renda em que conste o (a) interessado (a) como dependente do preso (a), a comprovação de existência de sociedade ou comunhão nos atos da vida civil, provas de que moram no mesmo domicílio ou comprovantes da conta bancária conjunta. A portaria 154/2016 foi revogada e publicada uma nova, a 624/2019.

“A portaria da SAP vai na contramão dos direitos assegurados pela lei constitucional ao restringir de maneira demasiada, colocando requisitos para que a companheira/esposa possa realizar suas visitas, forçando a realização de pactos de união estável no cartório, gerando custos financeiros para essa família, quando nem a Constituição Federal e nem a Lei de Execução Penal determinam que a união estável deva ser convertida automaticamente em casamento ou que deva ser feito um contrato. A importância dessa decisão é garantir a essa família a possibilidade de visita reestruturando o núcleo familiar, porque isso é benéfico tanto para a pessoa que se encontra encarcerada, como para a família. São com as visitas de familiares que os laços dessas pessoas se sustentam, se consolam e se reestruturam”, destaca o defensor público responsável pela ação.

Durante a última segunda-feira (11), o defensor Jorge Bheron recebeu a diarista na sede do Nuapp onde entregou e explicou a decisão, na presença do deputado estadual presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia, Renato Roseno, bem como  do corregedor da Defensoria, Carlos Alberto Mendonça e do conselheiro Luís Fernando de Castro. Renato Roseno falou sobre a decisão. “Essa decisão do Judiciário, portanto, comprova a veracidade das nossas denúncias e, mais uma vez, chama atenção para o contexto nas unidades prisionais, que envolve agressões físicas sistemáticas, degradação das condições sanitárias e proibição de visitas de familiares. A partir do que foi decidido pelo magistrado, é importante solicitar a extensão desse direito a todos os demais internos. Por fim, cabe destacar mais uma vez a participação da Defensoria Pública na defesa do acesso à Justiça”, destacou.

Desde o começo deste ano, a Defensoria Pública do Ceará instalou o Grupo de Trabalho do do Sistema Prisional que, juntamente, com os núcleos especializados para atendimento da população carcerária, realizam força-tarefas, atendimentos coletivos e individuais de presos e familiares, mutirões de análise processual e inspeções nas unidades prisionais, visando a melhoria do sistema prisional cearense.