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#NaPausa aborda sobre sobre “Descriminalização, Combate às Drogas e Sistema de Justiça”

#NaPausa aborda sobre sobre “Descriminalização, Combate às Drogas e Sistema de Justiça”

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O #NaPausa da última sexta-feira, 7, trouxe um debate com o juiz Luís Carlos Valois e com o defensor público Vítor Montenegro sobre “Descriminalização, Combate às Drogas e Sistema de Justiça”. De início, entre as colocações surgiu a questão: O que realmente mata: o tráfico ou a proibição?

O juiz pontuou que a criminalização foi uma realidade imposta e incita a reflexão sobre o quanto esta representa a ausência de democracia. “Fala-se em descriminalização quando nem foi abordado o porquê da criminalização. O fato é que quem é realmente contra a descriminalização é o traficante, enquanto essa realidade de proibição segue matando pessoas, pondera.

Para o defensor público tratar sobre descriminalização é sempre polêmico e delicado. “As pessoas dizem que as drogas são o grande problema e simplesmente não motivam ou até mesmo impedem discussões sobre, fazendo com que permaneça um assunto ainda muito obscuro dentro dos Fóruns. É preciso abordar os efeitos, causas e como se iniciou esse combate – essa pretensa guerra às drogas no país”, destaca Victor Montenegro. O juiz reforçou a importância de que o tema seja cada vez mais trabalhado. “Dentro da minha casa o meu pai me falava para não usar drogas, mas era uma abordagem errada, ele não sabia nem como falar; a verdade é que a rua ensina. A proibição não deixa as pessoas debaterem sobre o assunto de uma forma saudável e isso é grave. A morte por overdose é um acidente ocasionado pela proibição, pois a pessoa acaba fazendo uso sem saber, sem nenhum instrução”.

“A regulamentação das drogas não permitiria que crianças de 9, 10 anos comprassem crack, cocaína, maconha como acontece constantemente”. A afirmação de Valois contextualiza com o fato de que crianças não podem comprar bebidas alcoólicas, contudo, se choca com a realidade de acesso fácil às drogas consideradas ilícitas. “O álcool é regulamentado, existem regras que precisam ser respeitadas. Cada droga tem sua forma de ser vendida – o cigarro , álcool, medicações – todas têm formas de venda diferentes. Em concordância, o defensor público, ressalta que a criminalização não tem nenhuma utilidade efetiva, já que o bem jurídico a ser protegido seria a saúde pública. “Se fosse regulamentada não haveria o livre acesso até por crianças e ainda seria possível priorizar os investimento para educação e não para crimes violentos”.

Outro ponto abordado durante a conversa foi de o tráfico ter crimes anexos que vão desde a corrupção dentro da polícia, o tráfico de armas, homicídios. “É um problema gigantesco. O que me faz lembrar de uma frase de um livro do juiz Luís Carlos Valois que fala sobre como os atores dos sistema de justiça não sabem absolutamente nada sobre dorgas, mas decidem a vida de milhares de pessoas que estão envolvidas nesse contexto. Quando uma pessoa entra no tráfico vivi em média quatro ou cinco anos, quando não é morto é preso e vem outro que vai dar continuidade. Não tem ninguém se dando bem com isso, pelo contrário, as pessoas estão morrendo. É necessário lidar de forma clara e objetiva e não permitindo corrupção e morte sem fim. 99% das pessoas que vendem droga são extremamente pobres – é uma vida violenta, sofrida e curta. Deve-se oferecer é oportunidade de estudo, de emprego, formando uma sociedade que tenha direitos garantidos e informações adequadas”, considera Vítor Montenegro.

Os debatedores avivam ainda que não é a criminalização não cessa o uso. “Eu não conheço ninguém que esteja esperando descriminalizar para usar drogas, nem nunca vi alguém que conheça. Antes, o consumo do cigarro podia ser feito em qualquer lugar. Hoje em dia existem várias regras, que inclusive orientam sobre riscos. Tudo isso acabou até mesmo diminuindo o consumo. Acredito que a preservação e respeito do direito de escolha do indivíduo estimula o respeito às regras da regulamentação”, defendeu Luís Carlos Valois.

O defensor Vítor Montenegro lembra o quanto é comum, na rotina das varas criminais, se deparar com alegações finais e pareceres para manutenção de prisão que apontam o problema das drogas como pior e que gera grande violência. “Mas, a verdade é que das centenas de júris que já fiz, uma pequena porção conta com o uso de drogas, a maioria na verdade aponta uso de álcool. Tem uma desproporcionalidade que está internaliza na cabeça das pessoas e no sistema de justiça que é achar que o tráfico é pior crime e por isso a pena deveria ser mais alta”, esclarece.

Em paralelo, Valois diz que isso deve-se ao desconhecimento da realidade das drogas, o que acaba fortalecendo um discurso moralista. “Se essas pessoas conhecessem realmente a história das drogas iriam saber que o álcool é mais violento, e que o tabaco é a droga que mais vicia e leva pessoas aos hospitais”, argumenta.

Ao tratarem da associação do roubo e do tráfico, o juiz lembra que é comum nas bocas de fumo receber objetos roubados, sem exigência de nota ou comprovação de que aquilo pertencia à pessoa que está oferecendo. “Você não chega em um bar e faz uma compra utilizando um objeto roubado. Isso acontece nas bocas de fumos. O usuário rouba porque sabe que vai poder utilizar o que ele roubou de forma imediata para trocar por drogas.

Ainda segundo Luís Carlos Valois, a questão da criminalização favorece os conflitos entre os donos de boca. “A gente não vê notícias em que o dono de um bar matou o outro, mas vemos isso acontecer entre os traficantes. Isso acontece porque legalmente eles não têm onde recorrer, eles não podem ir ao procon e abrir uma reclamação”.

Finalizando, os participantes avigoram como esse processo de lutar pela conscientização de que a proibição não é o caminho é complexa. “Entendo que é necessária a compreensão de que não é tratando as drogas como uma questão policial ou fomentando a segregação dos usuários que vai resolver. Temos um problema sim, mas social, de saúde pública, conclui o defensor. “Não é fácil lidar com esse tema, mas não me sentiria honesto e correto em ficar calado. Existe muita gente privilegiada que se mantém calada, omissa e assim fazendo um papel que é de morte”, diz Luís Carlos Valois.