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Pesquisa revela que 22% das mulheres presas por tráfico em Fortaleza estavam com menos de 10g de drogas

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A Defensoria Pública do Ceará, por meio do Núcleo de Assistência ao Preso Provisório e às Vítimas de Violência (Nuapp), identificou que 58% das mulheres reclusas no Instituto Penal Feminino Desembargadora Auri Moura Costa (IPF), em Aquiraz, respondem por crimes relacionados ao tráfico de drogas porque portavam até 100 gramas de entorpecentes. Dentro deste universo, 47% das internas estão no sistema prisional há mais de 6 meses, o que significa uma demora excessiva para o julgamento de seus delitos. A pesquisa analisou individualmente os processos das 114 presas provisórias do IPF que tramitam nas três varas de Delitos de Tráficos de Drogas e Condutas afins da comarca de Fortaleza.

A pesquisa revelou que, no momento da prisão, 22% das mulheres estavam portando até 10 gramas de entorpecentes; 35% portavam a quantidade entre 11 e 100 gramas; 20% portavam entre 101g até 1kg. Apenas 15% foram apreendidas com até 10 quilos de drogas e 6% das mulheres estavam com acima de 10 quilos de drogas no momento da prisão. “É um número bastante alto por uma apreensão insignificante. Se você considerar até 100 gramas, esse numero sobe pra 58%, ou seja, mais da metade das mulheres estão presas por uma quantidade que é rotulada como tráfico de drogas, o que, na verdade, pode significar um usuário ou, no máximo, pequeno traficante”, destaca a defensora pública responsável pela pesquisa, Gina Moura, que também é responsável pelos atendimentos na unidade.

De acordo com a defensora Gina Moura, o objetivo da pesquisa é chamar a atenção sobre o encarceramento feminino e discutir o contexto dessas prisões, já que o tráfico de drogas é o crime que mais aprisiona mulheres. “Em termo de significado, de segurança pública, de periculosidade, o que essas prisões implicam? O que queremos é discutir a qualidade destas prisões. A partir desse pequeno levantamento é possível constatar que estamos gastando energia, tempo e recursos com uma criminalidade periférica, algo que não surte efeitos relevantes para a chamada ‘guerra as drogas’ e que, ao contrário, tem gerado muito mais prejuízo social do que benefício algum, sobretudo no contexto feminino”, critica.

Atualmente, mais de 850 mulheres estão reclusas no presídio feminino, mais de 127% da sua capacidade que é para 374 mulheres. A grande maioria enquadradas por crimes relacionados ao tráfico de drogas. Até 2005, ano anterior ao da promulgação da atual Lei de Drogas (Lei 11.343/06), o percentual era de 34%. No Ceará, conforme levantamento da Secretaria de Justiça e Cidadania, em julho de 2017, a população carcerária feminina do Estado alcançou um número recorde: 1.197 detentas. A soma é 56,8% maior do que em 2013, quando havia 736 mulheres encarceradas distribuídas entre o IPF e as cadeias públicas femininas.

Nova Lei de Drogas – Quando foi elaborada, em 2006, a então Nova Lei de Drogas tinha a intenção de cindir os universos de traficantes e usuários. Aos traficantes a dureza da lei e o consumo pessoal passou a não ser mais punível com prisão, embora não tenha deixado de ser crime. Ainda que seu propósito geral tenha sido retirar os usuários das prisões, porém, a lei foi incapaz de evitar que juízes, promotores e policiais dessem leituras particulares a cada caso, geralmente reféns dos contextos sociais dos acusados. Assim, muitas vezes o uso pessoal é enquadrado como tráfico. Nos primeiros dez anos da lei, a proporção de presos por tráfico aumentou o número de presos nas cadeias e dentro do contexto feminino isso ainda agrava, visto que estas mulheres possuem filhos menores de idade. “É uma situação muito séria, porque jogamos mulheres jovens, entre 18 e 35 anos, com filhos pequenos, para dentro das unidades prisionais por portar pequenas quantidades, prejudicando não só esta geração encarcerada, como a de seus descendentes”, diz a defensora que acredita que é necessário abrir uma discussão mais qualificada em relação ao problema.

Pela lei, para definir se o preso é um usuário de drogas ou um traficante, o juiz levará em conta a quantidade apreendida, o local, condições em que se desenvolveu a ação, circunstâncias sociais e pessoais, além da existência ou não de antecedentes. Essa mesma interpretação é feita pelo policial, quando prende, e pelo promotor, quando denuncia. O porte para consumo próprio é crime, mas as penas são advertência, prestação de serviços à comunidade ou medida educativa. A pessoa é detida, assina um termo circunstanciado, e é liberada para responder em liberdade.

A Defensoria Pública do Ceará lembra que entre 70 a 80% das presas do IPF são provisórias, ou seja, são mantidas lá sem terem sido julgadas. E neste universo de mais de 800 encarceradas metade delas é ré primária, dando entrada na unidade pela primeira vez. “Temos visto que muitas mulheres vêm sendo presas com pequenas quantidades de drogas. Essa explosão no número de presas, com certeza, é a caçada aos entorpecentes. Se acreditava que o aprisionamento iria reduzir índices de criminalidade, foi um ledo engano. Hoje o cenário é: a população carcerária explodiu e a violência aumentou. Não é possível gerir algo que se tenha perdido o controle da demanda”, alerta a defensora pública.

O relatório da Defensoria Pública foi encaminhado para todas as instituições que compõem o sistema de justiça cearense, incluindo os juízes das três varas de Delitos de Tráficos de Drogas e Condutas de Fortaleza, Varas de Custódia; Secretaria da Justiça e cidadania do Estado, Ministério Público do Estado e Tribunal de Justiça do Ceará.